Woody Manhattan Allen (publicado originalmente em 8/10/2009)
A cada filme novo que vejo de Woody Allen mais a minha admiração por ele aumenta. É daqueles cineastas retos, elegantes, pensadores. Não tem receio de se expor e muito menos de por na telona a sua porção intelectual e simultaneamente frágil. Desde o trajar, com seus paletós amassados, e até mesmo os seus óculos de aros pretos, que parecem ter sido chumbados em seu rosto, ele se repete a cada nova fita e a cada novo trabalho se sobressai de maneira ímpar. Escrevi na primeira coluna ‘Coisas de Cinema’, em 2004, que Jack Nicholson é o melhor ator do ecrã nos últimos cinquenta anos. Pois bem. Woody Allen é o melhor artista da sétima arte das últimas cinco décadas para cá. Roteirista, produtor, diretor, ator e etc, já fiz dele o tema deste espaço várias vezes. Agora repito isto para avaliar o esplêndido ‘Manhattan’ (1979).
É, claro, mais um alterego de Allen em ação. Aqui ele entra na pele de Isaac Davis, um escritor dos seus quarenta e poucos anos em crise de criatividade. Judeu, tem complexos de inferioridade e estes são aumentados quando descobre que sua ex-esposa, Jill (Meryl Streep, linda em seu terceiro ano de carreira), lançará breve um livro onde narra toda a vida matrimonial com ele. A moça, que se assume homossexual, leva o filho do casal para viver com ela e a companheira, o que deixa o escritor em polvorosa. Paralelo a isso, Davis tem tempo ao amor. Relaciona-se com Tracy (Mariel Hemingway, também bela com seus 17 anos, no comecinho da carreira), adolescente que quer ter com ele só papos-cabeça. Isto o deixa com pena dela, pois o escritor a considera ingênua demais e sem conteúdo suficiente a debater questões inteligentes.
No meio deste caldeirão estão seus amigos Mary Wilke (Diane Keaton, a musa número 1 de Allen) e Yale Pollack (Michael Murphy), que namoram. À primeira vista, Davis fica enojado com Mary por sua arrogância em discutir quaisquer assuntos. “Como você a aguenta?”, pergunta a Yale. Porém, encontros e desencontros fazem com que Mary e Davis se apaixonem. Aí, o impasse: como ele terá coragem de tomar a atitude certa de dispensar Tracy sem traumatizá-la? De que forma preparará o amigo Yale e contará que roubou Mary dele? São situações que W. Allen manobra bem, enquanto homenageia as suas Manhattan e Nova Iorque em um longa-metragem rodado em preto-e-branco. Os diálogos são o primor que prende os espectadores à obra deste artista. E em ‘Manhattan’ esta característica está bastante à mostra. O elenco diz o texto como se estivesse ensaiando uma peça teatral que estreará em dois dias. A extrema dedicação dos atores é outro ponto forte dos filmes dele. O script é o principal. Câmeras e locações são a segunda parte.
Há cenas inesquecíveis por certo. Uma emocionante é a conversa que Davis e Mary têm num banco de praça na alta madrugada. A fotografia é algo intraduzível para o papel. Você precisa ver e tirar as suas próprias conclusões. De se esperar eram as indicações ao Oscar. Elas vieram, mas foram decepcionantes.
Somente duas: Mariel Hemingway na categoria coadjuvante e roteiro para a dupla Woody Allen e Marshall Brickmann (parceiro do diretor no premiado ‘Noivo Neurótico, Noiva Nervosa’, de 1977, e ‘O Dorminhoco’ –73). Mariel perdeu para M. Streep (não por ‘Manhattan’, mas por ‘Kramer versus Kramer, igualmente emocionante – a atriz, há 30 anos, já era acostumada a rodar três ou quatro filmes por ano) e o Oscar de roteiro ficou com Steve Tesich por ‘Correndo pela Vitória’ (79). Todavia, ‘Manhattan’ é eterno.