Beleza no horror (publicado originalmente em 1/10/2009)
Um dos filmes mais celebrados da primeira metade do século passado foi, sem dúvida, ‘O Homem que Ri’ (1928). A exaltação não se deu por acaso. A fita possui diversos pontos dignos de aplausos. Para começar, o seu protagonista Conrad Veidt. Aos 35 anos de idade e 12 de carreira, já havia rodado 81 fitas (o que era normal nos anos 1910 e 1920, quando os atores faziam muitos longas-metragens por ano). Ele era nascido em Potsdam, Alemanha. Até então, tinha participado, dentre seus principais trabalhos, de ‘O Gabinete do Doutor Caligari’ (1920), marco do cinema germânico; além de ‘Anders als die Andern’ (sem tradução ao português – 1919), o primeiro filme a ter um personagem gay na história do cinema (Veidt o fez) e ‘Das Land ohne Frauen’ (1929), o filme sonoro de estreia do ecrã alemão. Como se pode notar, este ator estava em praticamente todos os momentos altos da sétima arte de seu país. Seguiria assim em 1928. A atuação dele, sofrendo e ao mesmo tempo tendo que se fixar no riso, é de encher os olhos de lágrimas. Veidt consegue transmitir pureza, ingenuidade, padecimento, amor e alegria. E tudo isto numa fita muda.
A outra chave da consagração de ‘O Homem que Ri’ é o enredo. Escrita por Victor Hugo em 1869, a peça teatral reunia o que existe de mais perfeito na busca da emoção sincera da plateia: a dor e a pena do personagem central da trama. O script narra a história de Gwynplaine (Veidt na fase adulta, Julius Molnar Junior na fase criança), um garoto pobre do século 17, roubado de seu pai, um rebelde do reino de James II (Sam de Grasse). Sequestrado pelo rei, o menino tem o rosto cortado e deformado, de maneira que ele sempre estará com um enorme sorriso. Ele vira andarilho. Nas ruas, é pego por um grupo de delinquentes de circo, liderado pelo temível Hardquanonne (George Siegman), que o maltratam. Gwynplaine é largado à míngua. Com frio e fome, andando pelas ruas cobertas de neve, encontra uma criança. A dupla chega à casa do filósofo Ursus (Cesare Gravina). Este os acolhe e descobre que a menina, Dea, é cega. Crescidos, Dea (Mary Philbin) e Gwynplaine fazem apresentações, onde a atração principal é ele e sua risada eterna.
Os três vivem em seu mundo. Era de se esperar que Gwynplaine acabasse por se apaixonar por Dea. Mas como sentir o amor sem saber se ela, se pudesse enxergá-lo algum dia, o acharia bonito, sentiria este mesmo sentimento? O rapaz não sabe o que fazer. Todavia, Dea o aceita sem pestanejar. Uma das cenas mais marcantes do filme é a hora em que ela passa a mão pela face dele e percebe que a sua boca tem um desenho estranho. Choca-se no primeiro instante, porém consola-se, afinal, Dea também carrega um dano consigo própria que é a cegueira. São sequências lindas que ocupam toda a beleza do horror passada para a telona. Veidt e Mary conseguem este entrosamento magnífico e contagiante. Tornaram-se inesquecíveis.
O terceiro mote da obra, dirigida por Paul Leni, é a trajetória trágico-curiosa de algumas pessoas que trabalharam em ‘O Homem que Ri’. P. Leni, por exemplo, morreu aos 44 anos envenenado. Até hoje não se sabe o que ou quem fez isso. George Siegman faleceu aos 44, de anemia. J. Grubb Alexander, um dos roteiristas do drama, sucumbiu de pneumonia aos (adivinhem?) 44. C. Veidt se foi aos 50, de infarto, enquanto disputava uma partida de golfe. Ele caiu morto na grama. Mary Philbin, apesar de ter vivido 89 anos, trabalhou como atriz por somente oito – de 1921 a 29, em 31 filmes. Não quis mais, simplesmente.