Meninas superpoderosas (publicado originalmente em 20/8/2009)
Franco-libanês, ‘Caramelo’ foi rodado em 2007 e só chegou ao Brasil este ano. Estreou em poucas salas, mas, mesmo assim, ousou em ser sucesso. É um filme intrigante e adocicado (sem trocadilhos com o nome) sobre cinco mulheres com algo em comum: as frequentes visitas ao salão de beleza Sibelle, lá no Líbano. Layale (Nadine Labaki), por exemplo, é amante de um homem casado e que sonha com o dia em que ele se separará; Nisrine (Yasmine Elmasri) está prestes a se casar, mas não é mais virgem e não sabe como contar isto ao noivo; Rima (Joanna Moukarzel) sente atração por mulheres; Jamale (Gisèle Aouad) tem medo de envelhecer e Rose (Sihame Haddad) abriu mão de sua vida para cuidar da irmã mais velha, a simpática Lili (Aziza Semaan). Estas personagens vivem histórias intrincadas, polêmicas, românticas, até emocionantes para aquele país e, consequentemente, para o público também. Cada uma tem o seu desejo.
Talvez inspirada no movimento neorrealista italiano dos anos 40 e 50 e reinventado pelos franceses na década de 1960 com a ‘nouvelle vague’, a também diretora Nadine Labaki convocou algumas pessoas do local de filmagem para fazer parte do longa. Com exceção dela e de Yasmine Elmasri, todas as demais são amadoras e se saíram muitíssimo bem. Isto mostra que quando se quer fazer um trabalho de qualidade não há nada melhor do que o esforço e dedicação para auxiliar este tipo de novas artistas, não acostumada com as câmeras. ‘Ajam como vocês são na rua’ é o recado bastante pertinente, porém seguindo o roteiro.
Layale, com sombras de olho misteriosas, negras como quem quer esconder a lágrima por mais uma decepção com o amante, é quem ‘faz as unhas’ das clientes do Sibelle e é responsável ainda por conselhos amorosos às amigas. Sensual e atraente, a moça, no entanto, convive com particular conflito de não saber lidar com o tal homem casado. A esperança de vê-lo divorciado é perdida à medida que ele se recusa a ir a um passeio porque tem de ficar em casa por causa do filho doente ou da festa de seu próprio aniversário.
O título da fita se refere à forma com que a depilação é feita: à base de caramelo (sim, o doce) bem quente. E aí reside a ligação do título com os problemas das personagens: tão doces e tão independentes... Algumas moram com os pais (Layale e Nisrine), todavia sabem como se virar e enfrentam os percalços se ajudando, umas as outras. Na trama, vale mais os apoios mútuos, vale menos a esperteza destas mulheres.
Quem assistir ao filme notará que, naturalmente, algumas atrizes se sobressaem às outras. Seja pela beleza, seja pela interpretação intensa ou as duas características juntas, ‘Caramelo’ se revelou das boas e agradáveis surpresas do circuito brasileiro de cinema em 2009. Aziza Semaan vivendo Lili é tênue, suave e tragicômico ao mesmo tempo. A irmã mais velha de Rose é esclerosada e corre atrás dos senhores que vem ao ateliê da costureira. A atriz, saída dos subúrbios de Beirute, é um show à parte. Parece estar livre e à vontade para aprontar o que quiser, sem script nenhum. Nadine acertou em cheio ao compreender todas as necessidades das amadoras. Assim atingiu um nível sustentável no drama, pois as profissionais sabem o tempo certo de cada sequência. E o orçamento de 1,3 milhão de euros bastou para que ‘Caramelo’ fosse o acontecimento do ano no Líbano, cujo governo apontou como candidato ao Oscar de filme estrangeiro, mas o longa acabou fora da lista final da Academia de Artes. Enfim, trata-se de um programa imperdível.