Rebelião a bordo! (publicado originalmente em 2/7/2009)
É cheio de curiosidades ‘O Grande Motim’ (1935). Por exemplo, foi um dos raros filmes a ganhar o Oscar principal da categoria e apenas ele, sem mais qualquer troféu da Academia. Outra: trata-se do único filme da história do cinema a ter três indicados no quesito melhor ator, também do Oscar – Clark Gable, Franchot Tone e Charles Laughton (nenhum deles saiu premiado). Mais um dado incomum é a morte do câmera Glenn Strong, quando um dos barcos das filmagens, com 55 pessoas a bordo, virou em cima dele. Por último, a retirada do famoso bigode de Gable para poder dar maior exatidão histórica ao personagem, pois a história se passa no fim do século 18 e a marinha britânica não permitia o adorno aos marinheiros.
Frank Lloyd dirigiu a trama, baseada em um fato real ocorrido em 1788. O navio Bounty, liderado pelo capitão William Bligh (Charles Laughton), tinha missão de ir ao Taiti buscar mudas de frutas-pão e levá-las à Inglaterra. Porém, Bligh era um tirânico, se jactava em maltratar a sua tripulação com castigos, chicotadas e humilhações. Se a ida já havia sido insuportável, a volta foi o triplo, pois, mais preocupado com as plantas, o capitão relegou sua equipe à fome, sede e frio. Revoltados, os marujos, encaminhados pelo tenente Fletcher Christian (Gable), organizaram um motim. Prenderam William Bligh e seus asseclas e os enviaram às águas frias por meio de um barco simplório. Perdidos, a trupe passou por maus bocados.
A grande sacada de ‘O Grande Motim’ está na dupla Laughton –Gable. O produtor Irving Thalberg, inclusive, propôs a dupla na esperança de que ambos, com algumas rixas do passado, se odiassem perante às câmeras e desse, assim, um ar mais real ao roteiro de Talbot Jennings, Jules Furthman e Carey Wilson, baseado em livro de Charles Nordhoff e James Norman Hall. Parece que funcionou. Transparece ali um sentimento de rancor mútuo e uma disputa sem eira nem beira entre dois dos maiores astros da época, os anos 1930. Estavam com quase a mesma idade (Gable, o galã, com 34 anos e Laughton, o bufão, com 36) e, de certa forma, num mesmo nível de início de carreira. ‘O Grande Motim’ seria triunfo deles até então.
À parte, temos Franchot Tone, o mocinho que tentou duelar com Gable na disputa para ver quem as garotas mais desejavam naquele instante. Na pele de Roger Bryan – papel oferecido primeiramente a Cary Grant – F. Tone se comportou na sombra dos outros dois protagonistas. Ainda nesta toada, pode ser que ‘levado’ mesmo por eles, acabou recebendo a indicação de melhor ator. Não mereceu. Seus esforços eram concentrados em dar o ar de namorador que C. Gable afinaria mais tarde em ‘... E o Vento Levou’ (1939).
A película tem cenas antológicas que ora lembram o russo ‘O Encouraçado Potemkin’ (1925), pelas sequências no interior do navio, e ora trazem a lembrança de ‘Titanic’ (1997), pelos instantes de pretensão dantesca e praticamente inimaginável 74 anos atrás. A presença do veterano Donald Crisp como o marujo beberrão Thomas Burkitt só faz bem a ‘O Grande Motim’ no talento. Inesquecível, foi refilmado em 1962 com mesmo título e com Marlon Brando como Christian. Existe ainda uma filmagem anterior, de 1916, rodada na Austrália, com George Cross e Wilton Power nos papéis de Bligh e Christian, respectivamente.