Cérebros (publicado originalmente em 18/6/2009)

‘Gênio Indomável’ (1997) revelou ao cinema dois jovens que ousaram inventar ou reinventar uma maneira de brincar na sétima arte. Na época com 24 e 26 anos respectivamente, os atores Ben Affleck e Matt Damon elaboraram o roteiro do longa e ofereceram ao diretor Gus Van Sant o comando da trama. A aceitação foi imediata, mas havia desconfianças. A produtora Miramax não sabia o que esperar da dupla. Só acataram a decisão de montar a fita após Robin Williams dizer sim ao seu papel de coadjuvante. Nada melhor do que alguém experiente para dar confiança. Este ‘pé atrás’ dos chefões da empresa tinha motivo. Affleck e Damon até então tinham feito trabalhos pequenos e de pouco significado. O futuro Tom Ripley e Jason Bourne, por exemplo, havia atuado em ‘Coragem Sob Fogo’ (1996), sobre a Guerra do Golfo, e ‘O Homem que Fazia Chover’ (1997), cuja direção foi de Francis Ford Coppola. Já o namorado da atriz Liv Tyler em ‘Armagedon’ (1998) participara anteriormente de besteirois americanos como ‘Barrados no Shopping’ (1995). Um dado curioso é que ambos foram figurantes no sucesso ‘Campo dos Sonhos’ (90).

No ‘Gênio Indomável’, Damon é Will Hunting, jovem de 20 anos que busca se encontrar. Trabalha esporadicamente, prefere sair para beber com os amigos e teve uma vida dura. Porém, esconde um dom: é inteligente demais. Leu livros difíceis, consegue resolver problemas matemáticos em segundos e aprendeu sozinho teorias filosóficas. Enfim, é a superexceção dentre as regras. Quando o filme inicia, é ajudante em uma universidade. Esfrega o chão, por exemplo. Quando o professor expõe a equação mais complicada no quadro no corredor da escola, Hunting o resolve sem pensar muito. Gerald Lambeau (Stellan Skarsgard), o professor, o descobre e o envia, bastante a contragosto, ao psicólogo Sean Maguire (Williams). Assim, começa não apenas uma batalha de egos entre o pré-adulto e o médico, mas também entre Gerald e Sean, amigos no passado, rivais no presente. No meio deste furacão, Hunting ainda acha tempo para namorar a bela Skyler (Minnie Driver – nas filmagens, ela e Matt Damon namoraram, mas o romance durou pouco).

Como não poderia deixar de ser, Afleck interpreta o amigo ‘infantil’ de Damon, Chuckie. Este sim de cabeça vazia e predestinado a bater em pedras para o resto da vida. Sem estudos, todavia com o sonho de ver o amigo inteligente voar bem alto. “Espero muito o dia em que chegarei aqui para te buscar para a farra e você não estará mais aqui. Não quero despedida. Chegarei aqui, você não estará mais. Saberei que foi embora e melhorou de vida”, diz ele ao parceiro, desprovido de qualquer tipo de inveja ou de rancor.

‘Gênio Indomável’ foi lançado e o público o adorou de imediato. Tudo se encaixava. Interpretações seguras, direção compactada, edição ágil, frenética (aliás, outra curiosidade é que os filmes de M. Damon quase sempre possuem edição primorosa, vide os três filmes sobre Jason Bourne indicados ao Oscar nesta categoria). A Academia seguiu o ritmo dos espectadores e levou a trama de 1997 a concorrer, na festa do ano seguinte, a nove prêmios: filme, diretor, ator (Damon), ator coadjuvante (Williams), edição, canção, trilha sonora, atriz coadjuvante (Minnie) e roteiro original. Ao lado de ‘Titanic’ (1997), naquela noite era um dos longas que mais apontamentos tinha. Conquistou dois troféus: roteiro (Damon e Affleck subiram ao palco para receber as estatuetas) e ator coadjuvante (na verdade, o Oscar para R. Williams veio como uma ‘compensação’ pelas derrotas de ‘Bom Dia Vietnã –1987, ‘Sociedade dos Poetas Mortos’ –1989 e ‘O Pescador de Ilusões’ – 1991, quando esteve na lista do quesito melhor ator). O casal Minnie e Damon foi derrotado por outro: Helen Hunt e Jack Nicholson por ‘Melhor é Impossível’ (1997). Muito justo deveras.

Com momentos tocantes e em certo ponto arrogantes, característica corroborada pela interpretação condescendente de Damon, ‘Gênio Indomável’ virou cult. O script foi feliz. Os diálogos são fortes e, por si só, valeriam a fita. Os cérebros do trio Affleck-Damon-Sant estavam tinindo quando resolveram fazer a história do menino inteligente e rejeitado pela sociedade, uma espécie de ‘patinho feio’ do século 21. Os marcos ficaram cravados nas carreiras dos três. Será complicado a eles superarem este trabalho. Demais.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 02/10/2009
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