Repúdio (publicado originalmente em 11/6/2009)

Estou indignado. E este embravecimento vem pelos complexos de cinema que temos atualmente no Brasil. Soma-se a isto a completa e relevantíssima falta de apuro para nossa cultura nacional. Há algumas semanas estreou no país dois documentários de total importância para os brasileiros: ‘Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei’ e ‘Paulo Gracindo: O Bem Amado’.

Mesmo sem assisti-los – apenas observando os trailers, pude notar os significativos trabalhos realizados pelos dois diretores: Cláudio Manoel e Gracindo Júnior, respectivamente. Mas as fitas foram pouco exploradas pelo circuito comercial. Aliás, pouco é um termo avançado. Elas nem tiveram exibições duradouras. Somente dias se passaram para que elas fossem eliminadas dos cartazes. Existem em São Paulo raras salas que ainda exibem a cinebiografia de Simonal. Entretanto, a trajetória do protagonista da telenovela ‘O Bem Amado’ (1973) teve suas mostras limadas dos cinemas.

Isto sem esquecer outro documentário não menos sublime: ‘Patativa do Assaré: Ave Poesia’, de Rosemberg Cariry. Este ocupa só uma sala em toda a cidade de São Paulo e nenhuma em todo o resto do Estado. Uma legítima e autêntica vergonha para quem comanda os complexos de sala de cinema. Aqui no Vale do Paraíba uma mesma empresa possui em São José dos Campos e Jacareí o total de 29 cômodos de exibição. Será que seria dificílimo abrir duas portas, uma em cada cidade, para este tipo de produção?

Talvez sim. Atualmente há avalanche de blockbusters no mercado. São aquelas películas cujo apelo financeiro atrai público considerável e, com isso, gera renda aos complexos. Filmes como ‘Uma Noite no Museu 2’, ‘X-Men Origens: Wolverine’, ‘Anjos e Demônios’, ‘A Festa do Garfield’, ‘Divã’ e o show da banda ‘Jonas Brothers 3D’ empurram realizações como os documentários citados no parágrafo anterior ao ostracismo de público. Sem dúvida, crianças, adolescentes e até alguns adultos preferem ver Ben Stiller, Tom Hanks e Lília Cabral, mesmo que sejam em longas-metragens sem qualquer qualidade, porcarias por assim dizer, a produções de expressivo conteúdo cultural e artístico. As empresas responsáveis, porém, se esquecem de que para formar um país com cidadãos sérios é preciso ser antes de tudo sérias também.

E ajudaria demais se tivessem um mínimo de sensibilidade em adquirir estas obras e as exibirem em dois ou três horários em uma sala apenas. Evidentemente não teria lotação em nenhuma sessão, mas com certeza as pessoas que assistiriam a estas fitas seriam as que não estão indo há tempos no cinema, como eu, por exemplo. Faz mais de mês que não ponho os pés numa sala. Apreciar o quê? Não dá para pagar um preço de mediano para caro de R$ 10 ou R$ 12 para ver roteiros escatológicos que se esforçam em deprimir os que veneram e amam o cinema. Estou cansado desta situação. Cansei de bater neste assunto nesta coluna.

As redes de salas aqui do Vale têm um único horário em que passam os chamados cults. É nada. As fitas exibidas ali geralmente já estão disponíveis em dvd e, assim, fica mais óbvio alugar por R$ 4 do que, repito, desembolsar R$ 10, mesmo porque com estes R$ 4 várias pessoas podem se deliciar em casa, pois os ingressos no cinema são unitários. Queria muito ver nas telonas Simonal, Paulo Gracindo e Patativa. Seria o primeiro a comprar entrada. Todavia, infelizmente, terei de esperar estas histórias em dvd. Pena. Perdem com isso o cinema brasileiro, já tão pouco reverenciado com ótimas produções como este trio, os membros das equipes de filmagem que ficam relegados a estes parcos espaços, e principalmente e acima de tudo o público, inquestionavelmente o mais prejudicado.

E refiro-me aqui ao público seletivo, que vai ao cinema já sabendo a qualidade do que verá, e não aos que se contentam com as mixórdias intragáveis de comédias chulas ou dramas religiosos ordinários como aqueles que estão em quase 100% dos cinemas, contaminando-os. Fica registrado neste espaço meu mais sincero repúdio a esta prática covarde de deixar de lado assuntos tão necessários como as vidas de três personalidades brasileiras: o melhor ator do país no século 20 junto com Paulo Autran; o melhor cantor do país, discriminado erroneamente por informações tortas envolvendo a ditadura militar; e o poeta mais carinhoso e o melhor contador de histórias do Brasil.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 01/10/2009
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