As castas (publicadas originalmente em 4/6/2009)

A diferença de idade entre as atrizes Helen Hunt e Scarlett Johansson é de 21 anos. Mas não dá para perceber. Não por Scarlett. É por Helen. Ela parece ter, no máximo, 32 anos e não os 46 que completará em junho. Ambas se reuniram de 3 a 24 de novembro de 2003 para filmar ‘Falsária’. Trata-se de um filme pouco conhecido do grande público. Dirigido pelo inglês Mike Barker, a trama, passada na costa italiana dos anos 30, enfoca Meg Windermere (Scarlett), moça cordata recém-casada com Robert (Mark Umbers). Aos 20 anos, a garota é de uma inocência ímpar. É devotada ao marido, cuida da casa como ninguém e o sonho maior é o de prosperar ao lado do amado e ter filhos, assim formaria uma família que ela quase não teve, pois a mãe a abandonara muito cedo e o trauma ficou. Já a senhora Erlynne (Helen) é o seu oposto. Com quase 40 anos nas costas não tem marido, emprego e para sustentar-se sistematicamente envolve-se com homens casados. Seus golpes são aplicados com delicadeza. Quando ela consegue algum dinheiro e sobrevive por alguns meses, chuta o coitado do amante. Pula desta forma de galho em galho. E na década de 30, ainda por cima na Itália, um país cheio de regras, uma mulher como ela era vista com preconceitos.

Erlynne sai de Nova Iorque quando seus trambiques não dão mais certo. Está atolada em contas e as dívidas não cessam. Lê no jornal que a costa italiana está recebendo de braços abertos a nova aristocracia norte-americana e vê ali um novo reduto para as artimanhas dela. Ao chegar, envolve-se com dois deles: Tuppy (Tom Wilkinson), um lorde elegante e separado várias vezes, e Robert, o jovem que se pensava, só tinha olhos para a doce Meg. Porém, são envolvimentos diferentes. Não posso me estender nas palavras porque contaria o fim da fita, mas reviravoltas acontecerão. As vidas deles nunca mais serão as mesmas.

O longa não fez sucesso nos países nos quais foi exibido. No Brasil, por exemplo, saiu diretamente em DVD, sem sequer passar nos cinemas. A avaliação que se pode fazer dele é a mais mediana possível. Não é uma aula cinematográfica, entretanto tem méritos. Expõe as situações caríssimas por que passavam tanto gente como Erlynne (desdém da sociedade, descaso etc), como do tipo de Meg (a mulher traída, de aparência frágil, ar resguardado). O figurino de John Bloomfield também merece destaque. A fotografia de Ben Beresin, idem. As paisagens e as locações são lindas e conhecemos toda a área verde, arborizada.

‘Falsária’ é baseada em peça do escritor irlandês Oscar Wilde, um dos mais famosos da área teatral. Ele redigiu, por exemplo, ‘O Retrato de Dorian Day’. A história na qual Barker se sustentou para filmar ‘Falsária’ foi ‘O Leque de Lady Windermere’, publicado por O.Wilde em 1893. Com este nome, o diretor alemão Ernst Lubitsch adaptou o romance para a telona em 1925, na época do cinema mudo, com o então estreante produtor Darryl F. Zanuck, que produziria mais tarde o eterno ‘A Malvada’ (1950), com Bette Davis, e ‘Viva Zapata!’ (1952). Passaram 78 anos para o remake sair. Muito tempo para nada? Nem tanto.

Em 2003, quando trabalharam praticamente no mês de novembro inteiro, tanto Scarlett Johansson quanto Helen Hunt vinham de sucessos recentes. A primeira estourou mundialmente um ano antes, ao dar vida à pobre garota abandonada pelo marido fotógrafo em pleno Japão com seus fusos horários e idioma difícil em ‘Encontros e Desencontros’ (2002), quando contracenou com Bill Murray. A segunda estava no topo em 1997 e 1998 quando fez par com Jack Nicholson na comédia romântica ‘Melhor é Impossível’, e ganhou Oscar de melhor atriz pela interpretação da garçonete mãe solteira que se apaixono pelo homem mais esquisito da Terra, cheio de manias e depressivo. Depois destes trabalhos, as atrizes se empenharam em outros, sem tanta ênfase. Quando se juntaram para ‘Falsária’, Scarlett não contava nem 20 anos, mas com quase uma década de carreira. Já Helen fracassara com Woody Allen em ‘O Escorpião de Jade’, de 2001, fez a ponta em ‘Náufrago’ (2000), como esposa de Tom Hanks, e esteve em ‘A Corrente do Bem’ (2000). O papel de amante em ‘Falsária’ não elevou sua trajetória profissional. Deixou-a estável. Ocorreu algo semelhante com Scarlett. É uma fita nem muito boa, nem tão ruim. Digamos que seja inclassificável.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 01/10/2009
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