Nota máxima, com louvor (publicado originalmente em 28/5/2009)

O cinema brasileiro erra muito. Produções toscas, atores da TV Globo em closes pobres, direções de qualidade discutível, roteiros pífios. Mas há o contraponto. Exatamente boas aventuras. Temos muita gente boa por aí. Eduardo Coutinho, Cacá Diegues, Silvio Tendler, Aurélio Michiles, André Sturm, além do vasto campo de outros cineastas que sequer sabemos nomes, porém possuem trabalhos significativos e marcantes. Anna Muylaert é destes destaques. De mera roteirista em programas infantis da TV Cultura, a hoje diretora de renome nacional se tornou indispensável como realizadora de filmes. E, sem dúvida, seu maior sucesso até hoje é ‘Durval Discos’ (2002). Não tenho ideia dos motivos que me levaram, nos cinco anos de Coisas de Cinema, a não abordar este longa-metragem aqui. A história é tão brilhante e simples ao mesmo tempo em que poderia qualificá-la como a melhor fita brasileira do século 21. Claro, estamos no nono ano deste período e você pode afirmar ser muito cedo para tanto. Então, digamos neste intervalo, entre 2001 e 2009, ‘Durval Discos’ supera tudo. Desde o elenco estupendo, passando por script linear e a edição primorosa, a película, vejo, não tem qualquer falha. É, de ponta a ponta, um espetáculo grandioso.

Anna foi bastante feliz na escolha dos atores. Marisa Orth e Letícia Sabatella são as coadjuvantes e nos minutos nos quais aparecem impõe ritmo e um toque de comédia à trama. Para protagonizar, a dupla Ary França e Etty Frazer dão show em frente às câmeras. Completa o cast a garota Isabela Guasco. Este quinteto leva os 96 minutos numa tranquilidade de dar inveja. Ainda há a participação especial de pessoas ligadas à música, como Theo Werneck, André Abujamra e Rita Lee. Uma obra perfeita na originalidade.

A fábula é a seguinte: Durval (França) é quarentão solteiro proprietário da loja-título. São vendidos apenas discos LP, os de vinil. Ele se recusa a entrar na era dos CDs (o ano que corre é o de 1996). Ele tem em sua mãe, Carmita (Etty), uma mulher cansada da vida e controladora. Vivem suas rotinas esburacadas e frias. Tudo se transforma com a chegada de Kiki (Isabela), uma garota que entra por acaso na vida deles por meio da recém-contratada empregada Célia (Letícia). Mãe e filho pensam que a criança é a filha dela. Todavia Célia tem problemas grandes demais para continuar com Kiki e a ‘abandona’ na casa de Durval. Carmita pensa em adotar a menina. A partir daí a confusão se forma. Com Durval radicalmente contrário a isto, a mãe começa a mimar a petiz. Compra brinquedos, faz as comidas que antigamente fazia ao filho, o que causa ciúmes nele... O absurdo atinge o cume quando a velha adquire um cavalo e o põe dentro da casa. A sequência é de matar de rir. Durval só observa a conversação de Carmita com o vendedor na rua. Ele não escuta as palavras, mas imagina o que a mãe fará. Então, ela rompe a porta com o cavalo e nem dá ouvidos ao rebento. O bicho passeia pela sala, cozinha, até pousar no quintal minúsculo. É muito bom!

As situações boladas por Anna, que também assina o roteiro, são as mais inacreditáveis possíveis. A movimentação na ‘Durval Discos’ gera desconfianças em Elizabeth (Marisa), vendedora de salgados na lanchonete vizinha da loja de LPs. O personagem de França mente sobre Kiki. E tanta falsidade assim faz todos à volta pensarem bobagem. E as besteiras não tardam a ocorrer. Aí, a fita engata sua marcha correta.

O que o filme tem de melhor? Praticamente tudo. Mas, à parte, destacaria imensamente, como não poderia deixar de ser, a trilha sonora. Antes de rodar as filmagens, Anna pesquisou e ouviu centenas de LPs e CDs. Passou pelas estações da Bossa Nova, Tropicalismo, baladas românticas, rock, o soul de Tim Maia etc. O resultado é de fazer o queixo cair. As canções se encaixam direitinho, nos instantes precisos.

Ex-crítica de cinema de O Estado de São Paulo e IstoÉ, Anna foi a grande vitoriosa. No Festival de Cinema de Gramado, no Rio Grande do Sul, um dos mais conhecidos do Brasil, ‘Durval Discos’ levou 7 prêmios Kikitos de Ouro: filme, melhor do júri popular, melhor da crítica, direção, roteiro, fotografia e a direção de arte. Não parou aí. No Festival de Recife, troféus de atriz (Etty), de roteiro e de direção de arte.

E você? O que espera para dar uma olhada em ‘Durval Discos’? É uma obrigação assistir ao filme.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 01/10/2009
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