Um polêmico (publicado originalmente em 21/5/2009)
Assim como ‘Frost / Nixon’ (2008), ‘Milk’ (2008) é um filme de e para estadunidenses. A vida de Harvey Milk foi levada aos ecrãs pelo diretor Gus Van Sant depois de 15 anos de tentativas frustradas. O número de atores previamente escalado para viver este agente político, o primeiro gay a assumir um cargo público nos EUA, foi grande: Robin Williams, Richard Gere, Daniel Day-Lewis e James Woods. No ano passado, o papel veio a Sean Penn, que não o deixou escapar. Nas filmagens, que se deram entre os dias 21 de janeiro e 19 de março, o ator usou próteses dentária e de nariz, além de alterar o penteado. Tudo isto rendeu a Penn o Oscar na premiação de fevereiro de 2009, o segundo da carreira (o outro foi por ‘Sobre Meninos e Lobos’ – 2002). Bateu o monstro Mickey Rourke, o favorito da noite por ‘O Lutador’ (2008).
‘Milk’ é narrado em flashback. O filme começa com o protagonista sentado na cozinha de sua casa preparando-se para gravar suas memórias, pois sabia que ameaçado de morte. “Se eu morrer, tudo o que está gravado aqui deve ser divulgado”, disse, iniciando o depoimento. Em seguida, a cinebiografia surge na tela. Vemos que ele se enamora por um rapaz em Nova Iorque e, prestes a completar 40 anos, não sabe em que ajudar o mundo (lembre-se que isto se deu nos anos 70, quando as pessoas tinham a ingenuidade de acharem que podiam mudar alguma coisa). Resolve se mudar para São Francisco. Monta ali, ainda ao lado do parceiro, Scott Smith (James Franco), uma loja de revelações de fotos. Começa a sentir o cheiro do preconceito. É hostilizado. Busca ajuda de companheiros, não necessariamente homossexuais, a fim de conseguir direitos iguais e oportunidades a todos (naquela época, gays eram reprimidos e tinham direitos diferentes dos heterossexuais nos EUA). Em 1977 elege-se no Quadro de Supervisor de São Francisco, um dos mais altos daquele tempo. No ano seguinte, em 8 de janeiro de 1978, assumiu o posto e dez meses depois foi assassinado por Dan White (no filme, feito por Josh Brolin), companheiro de Assembleia dele.
Sant montou a fita com o roteiro de Dustin Lance Black com imagens reais de arquivo. O público pode ver debates, entrevistas e passeatas em que Milk atuou. Vários figurantes aceitaram participar da fita sem cobrar um centavo. O apartamento em que o político viveu em São Francisco foi usado nas filmagens e isto imprimiu uma sensação de veracidade. Sant acertou nisto tudo. A direção de arte de Charle Beal é boa. Ou seja, o diretor equipou-se de gente capacitada para seu projeto. ‘Milk’ tornou-se um caso à parte na carreira de Sant, 56 anos. Ex-assistente de direção do lendário Roger Corman, ele, homossexual como Harvey Milk, filmou obras de qualidade indiscutível, casos de ‘Gênio Indomável’ (97), que rendeu Oscar de ator coadjuvante a Robin Williams e roteiro original para os então novatos Ben Affleck e Matt Damon; ‘Últimos Dias’ (2005), sobre o fim da vida dum cantor de rock abertamente inspirado em Kurt Kobain; e, dois anos antes, 2003, rodou ‘Elefante’, acerca dos estudantes assassinos da Escola Columbine, nos EUA.
Em ‘Milk’, Penn rouba todas cenas. Tenho dúvidas se se o ator que interpretasse Milk fosse outro, o sucesso seria igual. O longa serviu para alavancar a carreira dele. Desde que filmara, no início do século com Clint Eastwood o sensacional ‘Sobre Meninos e Lobos’, a trajetória profissional de Penn estacionou (rodou fracassos de bilheteria como a refilmagem de ‘A Grande Ilusão’ –2006 e ‘A Intérprete’ –2005, e o razoável ’21 Gramas’ –2003). A sensibilidade que emprestou ao personagem Milk impressiona. Ele não deu aquela margem de caricatura gay, com trejeitos exagerados e afetados... Ao contrário... Parece que se preparou anos para isto. Na festa do Oscar, quando Rourke estava no topo das apostas para vencer, deram merecidamente o troféu a Penn. Talvez quiseram compensar o fato de não terem dado a estatueta de filme a ‘O Segredo de Brokeback Mountain’ (2005), sobre dois caubóis gays que se amavam – preferiram optar pelo depreciativo ‘Crash: No Limite’ (2005) e entregar o Oscar de diretor de ‘O Segredo...’, o chinês Ang Lee. Ainda que tenha havia este ‘remorso’, Sean Penn levou sem polêmicas. O personagem dele sim, era muito polêmico. Harvey Milk morreu por uma causa. Seu assassino, White, cometeu suicídio anos depois.