Por Lenny (publicado originalmente em 30/4/2009)
Laura Linney, tal qual suas colegas Scarlett Johansson e Meryl Streep, é uma atriz que não para. A cada ano faz dois, três, até quatro filmes. E faz bem. Tem uma regularidade impressionante. As atuações são elogiáveis na maioria das vezes. Eu diria, em mais de 95% das suas escolhas, seja de personagens ou de roteiros, ela possui um feeling invejável. Obviamente houve escorregões como em ‘O Diário de uma Babá’ (2007), ‘Simplesmente Amor’ (2003) e ‘A Última Profecia’ (2004). Porém, aos 45 anos de idade e 17 de carreira, ela pode se orgulhar. Das suas mais recentes fitas, a que se destaca é ‘A Família Savage’, rodado há dois anos, quando, além desta obra e de ‘O Diário de uma Babá’ (ao lado da já citada Scarlett Johansson), filmou ‘Quebra de Confiança’. Os créditos de ‘A Família Savage’ podem ser dados também por Philip Seymour Hoffmann. A exemplo de Linney, pode ser considerado o mais linear (sem trocadilho proposital) dos atores. Esteve presente, como coadjuvante, em momentos célebres do cinema. Participou de ‘Perfume de Mulher’ (1992), ‘Boogie Nights’ (1997) e ‘Magnólia’ (1999) antes de estourar no mundo na pele de Truman Capote, famoso jornalista autor do livro-reportagem ‘A Sangue Frio’, na fita ‘Capote’ (2005), pelo qual ganhou o Oscar de ator. Hoffmann e Linney formam um casal em ‘A Família Savage’.
Entretanto, não é um casal de namorados, mas de irmãos. Ela (Wendy) é uma roteirista que está na crise dos 40 anos. Solteirona, mora sozinha e mantém um caso com um homem casado e bem mais velho do que ela. Já ele (Jon) é professor de filosofia que prepara uma tese de doutorado. É divorciado, reside só e é infeliz. Suas cabeças são vazias. Os corações, frios. Então, uma crise bate à porta do ‘casal’ adorável.
O centro deste problema é Lenny (Philip Bosco), o pai deles. Beirando os 80 anos, o patriarca dos Savage sofre de demência. Está esclerosado. Casado pela segunda vez, a esposa necessita de cuidados e é assistida por um enfermeiro, que não consegue lidar com a dupla de doentes. A mulher morre e Lenny se vê sem casa, pois os filhos dela o expulsam da moradia. Para quem sobra cuidar dele? Você acertou. Seus filhos Jon e Wendy. Com a notícia inesperada, o gelo do professor é imediato: internar o idoso num asilo. A roteirista resiste, mas não enxerga outra saída. Mesmo com o velho Savage em uma casa especializada, os rebentos precisam voltar a morar juntos, fato que não ocorria desde a infância, porque há o processo de documentação, burocracia etc. Desta forma, Jon e Wendy tem de aprender a lidar com as excentricidades.
Nas visitas a Lenny, enquanto o filósofo se apressa em ir embora, pois tem de ler diversos livros e acabar o seu próprio, a cineasta é toda ternura com o pai. Preocupa-se. Compra os objetos para adornar o quarto do asilo: travesseiros, cobertores, vasos, flores, quadros... Dá bronca nos enfermeiros. No ínterim, encontra-se com o amante, mas a graça mudou. Wendy quer um marido e a relação com o casado não é a desejada. Noutro cenário vemos Jon ainda apaixonado pela ex-esposa. Chora escondido quando ela liga e ele expõe pouco os sentimentos. É depressivo e bem orgulhoso. Ensina aos alunos, mas assimila nada a si.
‘A Família Savage’ foi o trabalho que expôs a diretora e roteirista Tamara Jenkis no cinema. E ela se mostra hábil tanto na escrita como orientando atores. Como a película se sustenta no trio Jon-Wendy-Lenny, Tamara teve tempo para se voltar aos demais aspectos da trama. A fotografia de W. Mott Hupfel III e a direção de arte de Suttirat Anne Larlarb e de Mario Ventenilla estão deslumbrantes. A fotografia se destaca um dedo a mais pelo clima gélido das locações, o que impõe afirmar a metalinguagem dos hostis perfis do professor Jon e da roteirista Wendy. Aliás, um parêntese aqui: li em algum canto que Tamara se inspirou nela para ‘inventar’ as escatologias da personagem de Laura Linney. Existem, como em um bom filme de atores bons, sequencias hilárias, lindas, emocionantes, que realmente tocam e chocam o público.
A Academia deu à fita menos valor. Indicou-a unicamente dois prêmios: atriz (Linney) e de roteiro original. Se ocupasse vagas nos quesitos filme, ator (P. S. Hoffmann), fotografia e direção não seria de se estranhar. ‘A Família Savage’ foi subvalorizada... Neste espaço, dou a ela o seu devido e autêntico valor.