Do best seller ao ‘mexicanismo’ (publicado originalmente em 26/3/2009)

Nos últimos meses o cinema foi invadido por cães. Filmes sobre estes animais não faltaram para os que os amam. ‘Um Hotel Bom pra Cachorro’, ‘Bolt: Supercão’, ‘Perdido pra Cachorro’ foram alguns dos títulos rodados ano passado nos Estados Unidos que estavam em cartaz até semanas atrás. Porém, o mais comentado deles saiu de um best seller e comoveu demais os espectadores. Refiro-me a ‘Marley & Eu’ (2008). Adaptado às telonas pelo diretor David Frankel, ele é baseada no livro homônimo de John Grogan que vendeu milhões de cópias no mundo todo. Os produtores Gil Netter e Karen Rosenfelt, ao iniciarem o projeto do longa, pensaram na atriz Jennifer Aniston (estrela do seriado ‘Friends’) e em Owen Wilson (do asqueroso ‘Uma Noite no Museu’–2006). Têm química nas cenas juntos. Uma química pequena, mas têm.

Tenho impressão de que todos conhecem a trama. Eles são recém-casados. Ela quer filhos. Ele não. Enquanto isto não ocorre, o marido presenteia a esposa com um filhote de labrador, raça canina das mais inteligentes e bagunceiras. Logo, o antes ‘belezinha’ se transforma em um cachorro enorme e estabanado por natureza. Quebra móveis, as louças da casa, morde tudo o que vê (engolindo algumas coisas, inclusive uma valiosíssima corrente de ouro) e não obedece nem a Jesus Cristo. Enfim, é um estorvo só. Para todos.

À medida que o tempo passa, a família cresce. A personagem de Aniston (Jennifer Grogan) tem três filhos. O de Wilson, John, muda de emprego. (Ele é jornalista. Não suporta fazer matérias sobre buracos de rua. Surge então a oportunidade de escrever a coluna diária sobre o seu cãozinho Marley. De imediato, seus textos fazem sucesso. Entretanto, por mais absurdo que pareça, John não está totalmente contente e decide se transferir a outra cidade –Miami– a fim de exercer seu glorioso ofício de repórter investigativo. Não dá certo. Ele volta a redigir os escritos acerca de Marley. Moral da história: um autêntico pateta.)

As crianças crescem, os cabelos dos pais encanecem e é o cão quem sente mais... E chega o dia em que o animal sucumbe. É neste instante, apenas neste, que o filme toma o rumo do dramalhão. O restante é a mais pura comédia rasgada, chegando até certo ponto a esbarrar no pastelão. O público gostou disto e só teceu elogios à obra. No dia em que vi a ‘Marley & Eu’, a sala estava relativamente cheia. Ouviam-se claramente os choros na morte do cachorro. Lágrimas principalmente de crianças. É a chave do sucesso: comédia violenta durante a maioria dos minutos e o extremo ‘mexicanismo’ nas sequencias derradeiras.

Fico em cima do muro na questão da qualidade. Owen Wilson tem talento? O de Jennifer Aniston é médio à comédia e raso ao drama. Quanto aos cachorros (foram usados 22, sendo 11 filhotes), valem suas forças de vontade. Sinceramente, ninguém, nem o mais frio dos seres humanos, deixaria de se sensibilizar com eles. Alguns demonstram mais aptidão frente às câmeras. O trabalho com os caninos perde um pouco do valor exatamente devido ao grande número que estiveram na realização do longa. Não se percebe tanto o quão simpático eles são até porque sempre quando aparecem estão correndo, fugindo de situações onde a bronca seria inevitável etc. Evidentemente, o carisma estrondoso de Rin Tin Tin e de Bud, o cão jogador de basquete, é maior em relação ao de Marley. “Expressam-se no olhar”, como disse Rubens Ewald Filho.

Do best seller ao ‘mexicanismo’ o processo é doloroso. Aliás, como são ultimamente a imensa leva de películas baseadas em livros. A qualidade importa menos... São raríssimos aqueles filmes adaptados de páginas famosas que assisti e que poderia carimbar como ‘obra prima também no cinema’. As duas vezes em que ‘Lolita’, do russo Vladimir Nabocov, foi à tela grande (1962 e 1997), foi com louvor. Isto ocorreu também com ‘O Nome da Rosa’ (86, de Umberto Eco). ‘A Última Festa’ (97), delicadíssima arte grafada por Virginia Woolf sobre dilemas de uma mulher (Mrs. Dalloway) que dará uma festa, não decepcionou. ‘As Horas’ (2002) veio somente a complementar suas escrituras e render a Woolf merecida homenagem.

‘Marley & Eu’ não. O diretor foi frio. Bastante frio... Importou-se apenas com o cachorro. E para piorar a situação há a participação especial (?) da agora horrenda Kathleen Turner, recheada de cirurgias plásticas.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 26/09/2009
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