Músicas sim, filme não (publicado originalmente em 19/3/2009)
Daniel, o cantor, tem se arriscado um tantinho a mais do que o costume. Depois de estagiar em fitas de Renato Aragão, aceitou o convite para atuar na novela ‘Paraíso’, da TV Globo. Além disto, passou boa parte do ano passado filmando o remake de ‘O Menino da Porteira’ (2009). E pouco se preocupou com as rédeas. Soltou-as e aventurou-se logo como protagonista. Parece que caiu do cavalo. Ele não se saiu bem.
Clássico sertanejo e caipira, a música foi composta e gravada pela primeira vez em 1955 por Teddy Vieira. Duas décadas depois virou filme pelas mãos do mesmo diretor do longa atual: Jeremias Moreira. À época com Sérgio Reis no papel central (o que significa uma mínima diferença ao século 21), a fita foi sucesso de bilheteria. Também pudera. Em 1976, quando a história foi rodada, o cinema brasileiro estava no auge de produções. As salas de exibição misturavam as chamadas ‘pornochanchadas’ (como ‘A Dama do Lotação’, de 1978, por exemplo), filmes mais sérios (‘Bye Bye, Brasil’, de 1976) e infantis (lembrem-se de qualquer um dos Trapalhões). Além disso, os ingressos eram infinitamente mais baratos (nos dias de hoje significaria R$ 2). Enfim, tudo conspirava a favor. E Sérgio Reis era o ídolo máximo das mocinhas.
Voltemos a 2009. Daniel é um dos mais populares cantores do país, apesar de seu talento limitado. Moreira teve o estalo: juntar a fome com a vontade de comer. Convidou o intérprete para viver Diogo na nova versão da película. Este acatou o pedido e ainda teve ideias, como filmar a maior parte das cenas na cidade natal dele, Brotas, interior de São Paulo. Atores da TV Globo não poderiam faltar. José de Abreu ficou na pele do major Batista (Jofre Soares o era na fita de 1976) e Vanessa Giácomo, que não faz outra coisa na carreira a não ser menina de roça, faz Juliana (a hoje esquecida cearense Maria Vianna ficou com o papel anteriormente – ela morreu aos 33 anos, em 1979). O personagem Rodrigo, o menino da porteira, é feito em 2009 pelo simpático João Pedro Carvalho. Há 33 anos, Márcio Costa deu vida a ele. Um dado curioso e ao mesmo tempo trágico é que Costa também desapareceu jovem demais: em 2003, aos 36 anos.
‘O Menino da Porteira’, edição 2009, vem sem muitas novidades em relação ao antecessor. Apenas os números musicais se estenderam mais, com os tradicionais ‘Índia’, ‘Disparada’ etc. A trama é baseada totalmente na canção, com o garoto sucumbindo ao final do roteiro, morto por bois malvados. Diogo é um peão e boiadeiro que compra briga com Batista quando moradores pobres dos arredores da fazenda Ouro Fino resolvem juntar seus bois para revender ao frigorífico, deixando o major sem receber nada. Rodrigo, de 9 anos, é apaixonado pela boiada e sonha ser peão como Diogo. Sempre que o boiadeiro surge o petiz pede, como no verso, ‘toque o berrante seu moço’ (‘que é pra eu ficar ouvindo... ’). As sequencias valem menos do que se possa pensar. J. Moreira foi econômico nas encenações e impediu que o elenco de 2009 visse o trabalho de 1976 para não influenciar nas atuações. Nada adiantou. A fita é fraca e não empolga.
Porém existe um ponto forte: as músicas já citadas. Daniel as canta de forma admissível e temos a sensação de estarmos assistindo ao programa de Inezita Barroso ou o de Rolando Boldrin. A cena inicial não compromete, apesar da fotografia clara e do vício de se filmar como se trabalhassem em uma novela.
Sobre o cantor, ele deveria entrar na obra como coadjuvante, como está na trama global. À frente da câmera fica intimidado demais. Nota-se o seu despreparo em três instantes: quando pega o menino morto nos braços, ao entregá-lo à família e no duelo com o personagem de Abreu. Ele treme ao lidar com a arma e fere a cena toda. A emoção é encoberta pela pressa. Contudo, Abreu se sai bem. Arranjou caracterização conformada – outra curiosidade: o ator estava mesmo com dor de dente; a fim de dar mais realismo ao seu trabalho, pediu ao dentista que retirasse uma ‘ponte’ de sua boca. Vanessa estampa a carta marcada, pois pode ficar estigmatizada como ‘atriz caipira’. Rosi Campos faz participação especial como uma solteirona e, assim, auxilia nos momentos engraçados. A conclusão é prática. Àquele que admira músicas do sertão ‘O Menino da Porteira’ é a boa pedida. A quem se importa com o filme em si, é melhor passar bem longe.