Resposta errada (publicado originalmente em 26/2/2009)

Injustiça. Talvez esta seja a palavra que melhor defina a premiação do Oscar-09, ocorrida domingo último. ‘Quem Quer Ser um Milionário?’ (2008) levou oito das nove estatuetas em que estava na disputa. Entre elas, melhor filme e diretor, para Danny Boyle. Para simplificar, um exagero. A trama, rodada nas terras indianas de Mumbai e composta de atores amadores (alguns foram retirados das ruas e diretamente alçados ao filme), é feliz em alguns momentos, porém frágil demais em outros. Este conto-de-fadas, cujo orçamento foi de US$ 15 milhões (nada em relação a indústria de Hollywood), apresenta a história sofrida de Jamal (Dev Patel, na fase pré-adulta), órfão, pobre e apaixonado por Latika (Freida Pinto), garota que conheceu ainda criança. O pano de fundo é a Índia paupérrima, mergulhada em esgotos fétidos e favelas totalmente desestruturadas. Vemos o jovem e seu irmão Salim (Madhur Mittal) passarem por provações incessantes. Ambos veem sua mãe ser morta numa briga religiosa. Sozinhos, deparam-se à menina, tão ou mais inglória que eles (aliás, em uma belíssima cena de chuva, quando os personagens são representados por crianças –a dupla oferece abriga à petiz, encolhida debaixo daquela água). Depois, as agruras seguem.

O trio foge de um corruptor de menores que, após aferir quais dos pequenos melhor cantava, para mendigar, cegava-os com a finalidade de arrecadar um tanto maior de dinheiro (‘a dó das pessoas faz com que elas deem esmolas fartas’, balbucia uma das vítimas ao reconhecer Jamal, tempos depois). Salim, era esperado, cai no mundo da marginalidade. Fixa-se em Javed (Mahesh Manjrekar), contrabandista-mor dos arrabaldes. Jamal, enquanto isso e anos longe de Latika, praticamente sequestrada por Javed, ganha a vida como garçom de uma agência de telemarketing. É aí que tem a ideia de se inscrever no programa ‘Quem Quer Ser um Milionário?’, espécie de ‘Show do Milhão’ da Índia. Com a certeza de que a amada o verá pela TV, ele se arrisca e ganha o prêmio máximo do espetáculo: 20 milhões de rúpias. Acusado de fraude e trapaça, o moço é levado à delegacia local. Lá, por meio de torturas e pressões, conta como conseguiu as respostas certas: a maioria delas estava correlacionada com sua própria vida, em coincidências difíceis de acreditar. Questões como quem é o maior pontuador da história do críquete e qual o nome do inventor do revolver são respondidas segundo a memória biográfica de Jamal, em flash backs da fita de D. Boyle.

Escrevi ser muito os oito Oscars porque o longa força a barra e não tem o mínimo de respeito com o cérebro dos espectadores. A doutrina ‘história de magia e pura emoção’ não decolou. Tal como ‘Crash’ (2005), vencedor do Oscar de melhor filme, ‘Quem Quer Ser um Milionário?’ teve sorte de concorrer no pior ano da década da produção dos EUA – 2005 foi a segunda pior temporada. Nem ‘O Curioso Caso de Benjamin Button’ (2008) juntou a força suficiente e derrubou o drama indiano, mesmo sendo, a meu ver, melhor em roteiro e direção. O que Boyle fez foi imitar, a grosso modo, o feito de Fernando Meirelles de cinco anos atrás com ‘Cidade de Deus’ (2004). A fotografia de ‘Quem Quer Ser...’ é deslumbrante, assim como edição e som, troféus ganhos merecidamente. Já acerca do script e do comando não posso afirmar o mesmo. David Fincher realizou bem ‘O Curioso Caso...’. Boyle, por sua vez, deixou rolar e neste ínterim desapertou o nó do elenco. Isto acarretou em caricaturas viciadas como a do ator Anil Kapoor, intérprete de Prem Kumar, o apresentador do programa ‘Quem Quer Ser um Milionário?’, e de Mittal também. As crianças não. Estas estão exemplares. É mais fácil lidar com os amadores? Pode ser. Boyle diria que sim.

A película vencedora do Oscar-2009 só entra em cartaz por aqui em 6 de março. Vi-a sexta passada no ritmo da pré-estreia e saí da sala escura com a sensação igual de quando entrei: assisti a uma obra fria, por mais esforço que o diretor tentou impor ao público. Ele usou artifícios banais. Pensou, com isto, que conseguiria atingir as pessoas. A mim não adoçou. E a injustiça fica grande tanto em 2005 como em 2009 se pensarmos que nestes dois anos o Oscar escalou dois filmes políticos indispensáveis: ‘Boa Noite e Boa Sorte’ e ‘Frost/Nixon’, respectivamente. Um e outro se despediram da festa sem uma estatueta sequer. É...

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 25/09/2009
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