Daniel, o astuto (publicado originalmente em 19/2/2009)

'Se Eu Fosse Você 2' (2009) teve, em seu tempo de cartaz, praticamente mais de 6 milhões de espectadores – o segundo maior desde a retomada do cinema brasileiro, em 1994 – e mais de R$ 40 milhões em arrecadação de ingressos. Baterá, por exemplo, ‘2 Filhos de Francisco’ (2004 –5,3 milhões) daqui a alguns dias, passou tranquilamente por ‘Tropa de Elite’ (2007 –2,4 milhões) e ultrapassou ‘Carandiru’ (2001 –4,6 milhões) e ‘Cidade de Deus’ (2002 –3 milhões), além de deixar a primeira parte da trama, ‘Se Eu Fosse Você’ (2006 –3,5 milhões) para trás. Qual o segredo da fita? Existem vários deles, não apenas um. O primeiro, mais escancarado, é de montar o cast com atores e atrizes da TV Globo. Os rostos superconhecidos dos telespectadores certamente dão excelente retorno. E imaginem então se a dupla protagonista for Tony Ramos e Glória Pires! A máquina de contar dinheiro sua de tanto esforço. Não bastasse isso, o elenco de apoio é competentíssimo – e também ajuda o fato de eles serem da emissora global: Cássio Gabus Mendes, Viviane Passmanter e Chico Anysio, este último com o bastão de professor, dando aulas a quem quiser vê-lo nos poucos (mas ótimos) minutos nos quais aparece.

O segundo mistério desvendado é o enredo de adaptação instantânea. Desde os acordes iniciais de ‘Se Eu Fosse Você 2’ sabe-se que a história girará em torno do grão igual ao roteiro de três anos atrás: o marido e a esposa não se cansam de brigar e, certo dia, ocorre a troca de corpos. Então, o homem possui os gestos e a delicadeza da mulher e vice-versa, com a mulher incorporando os modos abrutalhados e vis do parceiro. A comédia rola solta, sem cessar. E os pagantes amam rir da piada pronta, das frases chulas e amorais etc. Ir ao cinema para pensar, refletir sobre temas complexos, não dá. É muito esforço para pouco cérebro. O terceiro enigma a surgir reside na época de lançamento do longa-metragem. Janeiro. Verão. E com os dois pontos abordados anteriormente, fica mole compreender os motivos do público massacrante. A quarta e última charada, porém a mais importante, tem na sua resposta uma pessoa que não se expõe na telona. Está no bastidor. É o diretor Daniel Filho. Este homem conhece os ramos. Sim, ramos no plural. O do cinema em si e o do marketing alastrante. Seu talento como realizador é notável, reconhecido e com os aplausos vastos. Semelhantemente o é ainda o da propaganda casual, sem alardear a nossa mera atenção.

Não que o filme não seja bom. Ele tem lá seu valor. É indiscutível que Tony Ramos e Glória Pires são atores requintados nas novelas que fazem na televisão. No ecrã, tudo se exagera na tela grande. Daniel Filho filma com ângulos televisivos, closes desnecessários e texto de adaptação simples. Mas isto o povo não percebe, pois vem ao longo dos anos se acostumando com esta situação... ‘Olga’ (2004), dirigida por Jayme Monjardim, é exemplo clássico. A película, na época do lançamento, foi rigorosamente criticada devido a estes aspectos adotados da tela pequena. O brasileiro se habituou... Ao contrário do que pode se pensar, sou favorável aos diretores de tevê que migram ao cinema, porém deve-se ter muita qualidade. E enquanto esse messias continua escondido, Daniel Filho assume pretensiosamente este papel. Com a sua receita de comédia rasgada + script mambembe + tiques pastelões (cenas de vômitos, palavreado bastante rasteiro etc), ele amealhou este tanto de gente para assistir à obra. Aliás, a carreira de diretor de cinema de Daniel iniciou para valer neste século com ‘A Partilha’ (2001). De lá até aqui, ‘Se Eu Fosse Você 2’ é seu sexto trabalho. A cada novo lançamento, o público não o deixa só. Premia-o com invasão às salas escuras.

Em entrevistas, ele tem dito que só sabe fazer filmes com a finalidade de entreter as pessoas e, por isso, o retorno aparece via recorde de milhões de espectadores. Isto é errado. Já escrevi neste espaço sobre filmar para si, jamais para os outros. Este é um dos motivos que o cinema brasileiro patina e está há anos sem ter indicados no Oscar. Daniel Filho é astuto demais e sabe disto. Mas prefere continuar com as suas fitas de divertir... ‘Se Eu Fosse Você 2’ se sai a contento. Porém, termina nisto. Sincera e honestamente, necessitamos de mais. Ou então os brasileiros que vão ao cinema estão radiantes com o cinema nacional?

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 25/09/2009
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