Carmen, única (publicado originalmente em 12/2/2009)

Segunda-feira, 9 de fevereiro, Brasil, Portugal e Estados Unidos comemoraram um século de vida da talvez mais famosa figura que uniu de certa maneira estas três nações: Carmen Miranda. E esta coluna, após entrevistar o biógrafo dela, Ruy Castro, não poderia se esquivar das homenagens... Carmen foi, sem sombra de dúvida, a artista nascida fora do Brasil que mais retumbou em terras verde-amarelas. Seja pelas performances no palco sempre escoltada por seus balangandãs, seja na altiva simpatia que detinha ou seu amor pelos brasileiros, a cantora e atriz arrastou multidões por aqui durante nove anos seguidos, de 1930 a 1939. Convidada por um empresário para fazer shows em cassinos, teatros dos EUA, a pequena notável foi ousada. ‘Abandonou’ o Brasil e se arriscou lá fora. Sua carreira consolidadíssima corria riscos sérios. Mas na apresentação de estreia levou os estadunidenses no bico e fez deles seus mais fiéis fãs. Rodou um número considerável de filmes na terra do tio Sam e retornou aos braços tupiniquins para ser enterrada, 15 anos depois, em 1955. Na verdade, tivera duas passagens no Brasil– em 1940 e 1955 mesmo, meses antes de morrer. Era predestinada ao estrelato. Apenas não suportou o seu sucesso. Esbofeteou-o com remédios.

Todos foram influenciados por ela. Todos, sem exceções. A brasilidade, o orgulho imenso quando enchia a boca e afirmava ser nascida aqui, sabendo que não era, se tornou a marca registrada de Carmen. Os preconceitos de que foi vítima não fazem jus à fama que jamais largou o seu pé. O status de estrela do país do carnaval foi igual quando tinha 20 anos, na época do lançamento da música ‘Taí’ (“eu fiz tudo pra você gostar de mim”), como ao atingir o 46º e último aniversário, com filmes da Broadway, participações em programas de tevê de lá. O do humorista Jimmy Durante foi um em que ela participou mais vezes (no qual passou mal na gravação do dia 4 de agosto de 1955, vindo a falecer na antemanhã do dia seguinte – 5 – devido a um fulminante infarto). É desperdiçar tempo abordar o vício em tranquilizantes e outros tantos remédios. Logo, deve-se recordar Carmen Miranda como a mulher mais avivada e adornada deste planeta.

No documentário ‘Carmen Miranda: Banana is my business’ (1994), o ator Cesar Romero critica a não originalidade da artista em relação aos números musicais. “Ela pouco se renovou. O público, então, se cansou de vê-la balançando, vestida com aquelas frutas na cabeça”, analisou. Discordo dele. No livro de Castro, lançado em 2005, ele relata minuciosamente as atuações de Carmen nos EUA. O tratamento dado a ela era o proposto às famosas latino-americanas. Os estrangeiros, sobretudo os estadunidenses, faziam questão de diferenciá-la dos demais. Exemplo: nos longas em que trabalhava, mesmo com as pessoas com sede de vê-la na telona, seu nome surgia somente na terceira ou quarta posição no letreiro e nos cartazes. Isto não se referia aos maus tratos ou coisas do tipo. Ao contrário. Carmen jamais passou por situações da categoria por ser de personalidade forte, ainda que com vestígios de ingenuidade à flor da pele. Sebastian, a pessoa responsável por desgraçar a vida da cantora e atriz, foi, ele sim, o algoz da Pequena Notável. O casamento por interesse se concluiu num péssimo negócio para ela, que desejava ansiosamente ser mãe e não concretizou o sonho; mas a perfeita arapuca jogada por Sebastian, uma espécie de cineasta frustrado. Depois da morte de Carmen Miranda, embolsou quase que totalmente a fortuna da estrela, envolvendo as jóias, os cachês, as contas bancárias etc. Surrupiou-se tudo dela. Atirou a piedade no ralo. Agiu friamente.

Imitada até hoje pelos sósias, é, ao lado de Elvis Presley e dos Beatles, a figura mais rentável após seu desaparecimento. Falar da história do século 20 do Brasil e deixar de citar Carmen significa o mesmo que contar os últimos 100 anos da Argentina e se esquecer de Evita Perón, ou pular a existência de Edith Piaf na França. São pessoas que ultrapassam a simples representação de um povo: elas estão enraizadas e imortalizadas. Carmen Miranda ditou moda, revelou músicos e compositores (Dorival Caymmi começou por meio da voz dela com ‘O que é que a baiana tem?’) e se atreveu ao tentar fazer fama fora de seu país de origem. A conclusão salta à vista: ela é única e assim permanecerá por muitos séculos, talvez milênios.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 24/09/2009
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