O revés da história (publicado originalmente em 5/2/2009)

O único senão de ‘O Curioso Caso de Benjamin Button’ (2008) é ter escalado a história da criança que nasce velha e morre bebê aos dias atuais, na semana da passagem do furacão Katrina pela cidade de Nova Orleans, nos Estados Unidos, em fins de agosto de 2005. Fora isto, a fita dirigida por David Fincher (‘Seven’ –1995, e ‘Clube da Luta’ –1999) e roteirizada por Eric Roth (responsável pelo script de ‘Forrest Gump: O Contador de Histórias’ –1994) é irreprochável e transparente nas suas pretensões. Baseado em um conto que o escritor F. Scott Fitzgerald publicou em 27 de maio de 1922 na revista Collie’'s Weekly, pensada na frase do romancista e comediante Mark Twain, a história é bem conhecida. Quem nunca ouviu a teoria de que as pessoas tinham de nascer idosas e morrer na flor da idade? Fincher catou esta doutrina e filmou o longa-metragem. Antes, é bom lembrar das tantas desistências: Steven Spielberg esteve cotado para dirigi-lo na década passada e Ron Howard (de ‘Uma Mente Brilhante’ –2001, e ‘Cocoon’ –1985, são dele) a comandaria em 1998 com John Travolta protagonista. Além deles, Spike Jonze (de ‘Adaptação’ –2002) foi outro nome citado. Depois destes buracos, Fincher viu que tinha na frente uma grande epopeia.

Findo estes contratempos, parece que tudo caiu como luvas. Brad Pitt como Benjamin Button está tecnicamente impecável. O processo de maquiagem do ator, cuja duração beirava as cinco horas, ajudou muito. Pitt conseguiu emplacar na interpretação doses cavalares de candura e fragilidade, características vitais do personagem. Button nasce com o tamanho de um recém-nascido, uns centímetros. Entretanto, a aparência dele é de um caquético de 80 anos: tem rugas, artrite, artrose, dores nas juntas etc. A mãe morre no parto. O pai, assustado com o aspecto do filho, o abandona na porta de Queenie (Taraji Henson), uma dona-de-casa negra, dona de uma espécie de asilo. Ela o cria como se fosse seu próprio filho e acompanha o desenvolvimento do menino. Aos sete anos, por exemplo, tem cabelos encanecidos, problemas sérios de visão e anda de bengalas. É nesta época que conhece Daisy (na fase adolescente e adulta vivida por Cate Blanchett, parceira de Pitt em ‘Babel’, de 2005), uma ruivinha de olhos azuis por quem Button logo se vê enamorado. Na medida em que ambos crescem, num determinado instante os dois ficam com a idade em consonância, com 40 e poucos anos. Depois de idas e vindas, casam. Daisy logo engravida. O medo vem.

É nesta parte que o enredo ganha forma e nota-se as mãos de Fincher e Roth. Principalmente pela batuta do diretor, Pitt se mostra um ator maduro, experiente, merecedor da indicação do Oscar (a segunda da carreira – a anterior foi de coadjuvante por ‘Os 12 Macacos’, de 1995). Cate permanece como sempre: linear. Impressiona sobremodo como a atriz é compenetrada e segura de si. É espantosa ainda a ausência dela na lista das indicadas ao Oscar. Teria folgadamente uma vaga. Seu rosto limpo, branco, contrastado com o par de olhos azuis, é de uma beleza inigualável. Taraji, por sua vez, não compromete. A intérprete da mãe adotiva de Button convence na telona devido a sua simpatia. Arrematou a primeira indicação ao Oscar com uma atuação sem excessos e bem calibrada por Fincher. Tilda Swinton, ganhadora da estatueta de coadjuvante ano passado por seu trabalho em ‘Conduta de Risco’ (2007) tem participação especial e, mesmo assim, arranja espaço para brilhar como a esposa que trai o marido com Button. Enfim, na fita há, claro, sequencias cativantes, que mostra o funcionamento do trio direção de arte– fotografia– maquiagem. Uma delas é o reencontro de Daisy, aos 60 e poucos anos, com Button, com menos de 20. A emoção vem.

Duas senhoras estavam do meu lado quando assisti a ‘O Curioso Caso de Benjamin Button’. Elas aparentavam já bater na casa dos 70. Enquanto o filme rolava, escutava os comentários da dupla. “Como a velhice é triste”, cochichou uma. “Pois é”, retribuiu a outra. Maravilharam-se tanto com o longa que uma saiu da sala de exibição munida do lenço: estava a enxugar as lágrimas. Realmente, o filme recebeu as 13 indicações ao Oscar sem dever a ninguém. E não se surpreendam caso a biografia de Button abocanhe os 13 troféus e se torne o filme mais ‘oscarizado’ de toda a história da Academia de Artes Cinematográficas.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 24/09/2009
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