“Este não é o meu filho” (publicado originalmente em 29/1/2009)
Clint Eastwood se afundou num caso real e atroz para filmar ‘A Troca’ (2008): o crime conhecido como “o massacre do galinheiro” ocorreu em 1928 nos Estados Unidos e mobilizou a imprensa, a política e a polícia do país. Christine Collins, 28 anos, mãe solteira, sai para trabalhar e deixa o seu filho, de nove, sozinho em casa. Ao voltar, o infante não está lá. Bastante desesperada, a moça procura auxílio justo nos policiais de Los Angeles, naquela altura os mais corruptos e violentos de todo o território estadunidense. Quatro meses se passam e os tiras finalmente encontram o garoto – um falso garoto, diga-se – e entregam-no à mãe. “Este não é o meu filho”, espanta-se. A polícia, com intento de preservar-se, fixa que o rebento é realmente Walter Collins, desaparecido em março último. Apenas sua mãe, e mais ninguém, sabe que o guri entregue a ela não é o Walter, o seu Walter. A fim de taxá-la de maluca, a Justiça manda a jovem ao hospital psiquiátrico. Logo a farsa esfarela-se e desmonta como as cartas. O desfecho trágico vem à baila.
Angelina Jolie como Christine convence, tanto que a indicação ao Oscar de melhor atriz foi muito merecida, entretanto o restante da obra não está a altura de outros trabalhos de Eastwood. A fita é fria, os gestos em determinados momentos parecem mecânicos demais (é onde a direção falha), entonações soam exageradas em algumas sequências, o roteiro se estende macarronicamente – os 141 minutos poderiam ser reduzidos a 100, 110 talvez... A maquiagem de Jolie a enfeia, porém é a da época. Ela fica escondida nos chapéus, os tons negros das sombras a fazem se assemelhar a zumbis, o batom avermelhadíssimo obtém a brancura extasiante da pele. Aos demais, mais do mesmo. Tanto figurino como direção de arte escaparam às mãos do diretor de ‘Menina de Ouro’ (2004) e ‘Os Imperdoáveis’ (1992)... Fica a impressão de que ele largou a obra em detrimento a outro trabalho seu– ‘Gran Torino’ (2008), cuja indicação ao Oscar foi nula. Enfim, o ano passado não foi bom para C.Eastwood. Aos 77 anos, ele não se avigorou para se reconstruir.
‘A Troca’, por tudo isto, tornou-se um longa-metragem frio e calculista. Frio por vermos como se dá a forma mecânica da direção dos atores, somada ao script derrapado. Calculista pela precisão cirúrgica com que Angelina Jolie atua. Ela fez de tudo para agradar não ao público, mas a Academia. A indicação ao Oscar era esperada por isto. A atriz está emocionalmente travada. Falas e gestos são cuidadosamente manobrados a fim de sensibilizar o eleitorado da principal festa da sétima arte. Não sabemos se levará a estatueta (se conquistá-la, o fará pela segunda vez – já a abocanhou por ‘Garota Interrompida’, de 1999, como coadjuvante). Kate Winslet com ‘O Leitor’ (2008) pode surpreender. Todavia, o impressionante é notar o tamanho desleixo (escrito sem aspas mesmo) de Eastwood em relação ao elenco. Jeffrey Donovan (capitão J.J.Jones) está entre os largados pelo diretor. O ator, assim, se viu solto para exagerar nas caretas e abusar dos vícios de atuação, como olhar ‘ao nada’ a cada três segundos. É só reparar muito bem nisto.
Agora, sobre Gordon Northcott, o assassino das criancinhas interpretado por Jason Butler Harner. O ator é outro abandonado pelo diretor. Curiosamente, porém, se sai melhor do que Donovan. Seu tipo é o do cinismo, da caricatura do mal por meio do riso maligno. Ao sequestrar e chacinar os pequenos com o auxílio do sobrinho, Sanford Clark (Eddie Alderson, também excelente no papel), a golpes de machado, é apanhado pelos tiras, não os de Los Angeles. Condenado a morte por enforcamento, sucumbe em 1930. ‘A Troca’ escondeu ou preferiu não desvendar totalmente a manchete. A mãe de Northcott, no caso real, o ajudou na matança. A fita simplesmente elide o fato. Mais: a venalidade da polícia em cima de Christine vai além da severidade exibida na trama. Eles eram brutais, carniceiros. Sabiam discernir o certo e errado.
Eastwood, sabendo disto tudo, não esteve à altura de seu conservadorismo de outrora. Foi engolido pela própria soberba. Deixou atores ao léu. Talvez precise saber que experiência significa sapiência e não presunção. Quase octogenário, pensou estar livre de críticas. Pois bem. ‘A Troca’ pode ser analisado de várias maneiras, uma delas a acertada. Trata-se de um Eastwood raso, que não soube aproveitar a chance.