Mudar para progredir (publicado originalmente em 22/1/2009)
Hoje é o dia das listas com os indicados ao Oscar. Escrevo esta coluna sem saber quem concorrerá com quem em qual categoria, mas com uma certeza: o Brasil não terá, de novo, representante. Dias atrás, a Academia de Artes Cinematográficas divulgou os nove finalistas para disputarem a estatueta de melhor filme em língua estrangeira. ‘Última Parada: 174’ (2008), do diretor Bruno Barreto, não conseguiu chegar à final. E é fácil explicar o motivo de a fita brasileira ter caído fora da festa do Oscar deste ano (ocorrerá no domingo de carnaval, 22 de fevereiro). Sempre que o Ministério da Cultura escolhe o representante do país, os jurados teimam em querer levar a Hollywood a desgraça em tons verde e amarelo. Não dá certo. Os membros da Academia devem estar exaustos de terem de ver praticamente a mesma roda do azar: são favelas, drogas, crimes, depreciações, sexo, roubos etc. Quem suporta isto todo ano? E isto é tão verdade que outra obra deste calibre, a italiana ‘Gomorra’ (2008), também não obteve cadeira entre os cinco mais.
‘Última Parada: 174’ conta a vida de Sandro Barbosa do Nascimento, um dos jovens sobreviventes do massacre da Candelária de 1993 e autor do sequestro ao ônibus fluminense que terminou com as duas mortes – a dele próprio, no camburão da Polícia; e a da professora Geísa Firmo Gonçalves, que levou, por engano, um tiro da polícia, e outros três nas costas, disparados por Sandro no momento de sua rendição.
É inquestionável a qualidade do elenco. Michel Gomes (Sandro), Cris Viana (Marisa, mãe adotiva do rapaz) e Marcelo Mello Júnior (Alessandro) estão à altura da história comovente dirigida por Barreto. As tragédias que os envolvem serve de pano de fundo para explicar como são as fundações abrigadoras de menores, a pobreza fixada naquela determinada parte da cidade do Rio de Janeiro, além dos maus-tratos e as condições precárias pelas quais passam os moradores das favelas. Bráulio Mantovani acertou no roteiro ágil e desesperado. A câmera rápida sufoca o espectador. Impressiona ainda a fotografia crua de Antoine Heberlé. A carne é exposta a quem quiser ver. Nada foge aos flashes. O público ganha com isto. Porém...
Porém, cansa. ‘Cidade de Deus’ (2002) abordava esta questão de outro olhar. ‘Carandiru’ (2003), idem. ‘Tropa de Elite’ (2007), igual. Exceções como ‘O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias’ (2006) e ‘Dois Filhos de Francisco’ (2005) aparecem bem, mas insistem em exibir miséria, canalhice, safadeza. As quatro indicações que a fita de Fernando Meirelles recebeu em 2004 se deram única e exclusivamente pela ‘inovação’ na edição. Assim, o diretor, o roteiro e a fotografia entraram no embalo. Todavia, antes do Oscar daquele ano iniciar, sabia-se que os brasileiros passariam longe de qualquer premiação. Então, qual a razão de o Ministério somente apontar tramas deste tipo? Esta é uma pergunta com difícil resposta, ao contrário da outra questão. Eles podiam muito bem ter mandado à Academia ‘O Cheiro do Ralo’ (2008), por exemplo. Ou ‘Estômago’ (2007). Dois anos atrás acertaram em enviar ‘Cinema, Aspirinas e Urubus’. Não deu certo. Entretanto, é filme diferente, que não pensou apenas em exportar infelicidades aos demais.
O que fazer? Repensar, óbvio. Este é o primeiro ponto. O Brasil não pode cair na onde do ‘quanto mais infortúnios o drama tiver, mais chances ele terá de ser bem observado pela Academia’. Bobagem. ‘A Vida é Bela’ (1998) é o exemplo cabal disto. Os cineastas tupiniquins tem de parar de fazer filmes com a cabeça voltada para a América do Norte. Quanto mais eles se detem nos estadunidenses, pior é. ‘Central do Brasil’ (1998) foi o último trabalho a aparecer na categoria ‘filme estrangeiro’. Teve a zebra de cruzar com Roberto Benigni em grandíssimo estilo e ser completamente atropelado por ele com ‘A Vida é Bela’.
Nem tudo está perdido. Um dos pontos fortes destas produções brasileiras é a revelação de atores e atrizes. Vejam ‘Última Parada: 174’ e comprovem o talento do trio Michel, Cris e Marcelo. São fortes na interpretação. Contudo, isto não basta. São imperiosos que scripts açucarados surjam. Deve-se mudar para progredir. Entrar nos sets e gritar ‘ação!’ mentalizando somente o nosso potencial... Já provamos mais de uma vez que temos bagagens suficientes para arrebatar quaisquer troféus... A modificação aqui é forçosa.