Três mulheres (in) delicadas (publicado originalmente em 15/1/2009)
Uma história filmada em 2006, finalizada em 2007, lançada em 2008 e possivelmente premiada em 2009. Assim é a trajetória de ‘Vicky Cristina Barcelona’, o mais recente trabalho de Woody Allen. De tão falado nos últimos 3 meses, deixei propositalmente a coluna para hoje, uma semana antes de os indicados ao Oscar serem divulgados. Agora, com mais suavidade e tranqüilidade, posso tecer meus comentários. A primeira impressão ao ver a fita (eu a assisti bem no começo de dezembro) foi taxativa: não é o melhor de W.Allen desde a retomada dele aos sucessos de público e crítica, nesta segunda metade da década. ‘Match Point: Ponto Final’ (2005), é, disparado, o topo do diretor no século 21. O roteiro rodado na Espanha tem méritos, todavia não chega à sagacidade captada pelo nova-iorquino na película de há quase quatro anos, na qual as reviravoltas excitantes do script fizeram valer cada centavo do ingresso do cinema. Agora, não. As desventuras das personagens encarnadas por Scarlett Johansson, Penélope Cruz, Rebecca Hall e Javier Bardem são, simploriamente, a reedição de ‘Noivo Neurótico, Noiva Nervosa’ (1977). Só papos-cabeça.
Não caia na armadilha de querer crer em bons diálogos, vistas turísticas do filme aos locais belos da Espanha e tudo o mais o que cercou a feitura da trama. Estas características podem amparar, mas o roteiro bem escrito possui os créditos. Imagens valem mais do que mil palavras? Na sétima arte sim, porém, ao vir à tona a biografia profissional de Allen, a situação se inverte. Ele sempre foi um artista dotado por ser culto, perturbado, tímido e ‘inseguro’. Deixou em roteiros como o de 77 a marca indelével do vocabulário rebuscado, psicologicamente refinado aos ouvidos do público. Em ‘Vicky Cristina Barcelona’, as páginas escritas não se escoram por todo o longa-metragem, o qual se preenche com as imagens formosas daquela cidade européia. Vê-se claramente a homenagem do diretor inglês a Pedro Almodóvar, o diretor espanhol.
O roteiro, a primeira vista ousado, é calibrado para dar sensações de falsa devassidão: Juan Antonio convida as turistas americanas Cristina e Vicky para um passeio radical – estadia em Oviedo, com vinho e comidas típicas à vontade e muito sexo. Vicky (Rebecca, a “freira que faz strip-tease”) logo de cara faz de conta que não ouviu e esnoba a proposta. Cristina (Scarlett, a “femme fatale topa-tudo”) abre um sorriso acanhado, mas se acende. Vicky está de casamento marcado com um mauricinho “não-me-toques” e quer respeito acima de tudo. Cristina é largada, frustrada por ser uma atriz de carreira fraca (o mesmo papel em ‘Match Point’, lembram-se?) e não tem nada a perder. A dupla aceita a doidice. Vocês podem imaginar o que ocorre. Mas calma: há o quarto item nesta trama. Maria Elena (Penélope Cruz, em atuação honrosa), a psicopata ex-esposa de Juan. Ela volta à casa dele e faz um escândalo quando vê Cristina morando lá (a esta altura Vicky deu no pé). Entretanto, as coisas amainam... O trio passa a viver junto, se descobrindo.
Destacam-se na fita o próprio Allen, com a direção sempre impecável e limpa; Penélope, arrasando quem ainda a considerava cria de Almodóvar; e a trilha sonora por ser somente de produtos castelhanos. Indicações ao Oscar podem vir a apenas uma destas categorias, não mais que isto. Pelo diretor ter filmado longe de Nova Iorque, terra natal dele, a Academia talvez esmoreça. Todavia é sonho pensar em mais de uma indicação. Scarlett Johansson passa longe da lista, pois está na telona como sempre: linda, sexy e um tanto inconstante na interpretação. Bardem, por enquanto, está muito marcado como o vilão de ‘Onde os Fracos Não Tem Vez’ (2007), trabalho pelo qual conquistou a estatueta de coadjuvante, apesar de ser bom ator. Rebecca Hall parece fria demais em alguns instantes e superquente em outros. Não se pode medir a atriz por esta tendência torta. A paisagem espanhola está bem posta, mas não existem troféus para lugares.
Enfim, ‘Vicky Cristina Barcelona’ resulta em mais um tour de Woody Allen e sua turma a capitais européias (primeiro foi Londres). Há quem diga que ele virá ao Rio de Janeiro filmar em 2010. Pode ser boato, pode ser verdade. Seria boa a propaganda do Brasil ao mundo? Depende do enfoque. Se bem que o diretor não é conhecido por maltratar seus cenários naturais nem denegrir imagens de populações por aí.