Não era só um quarteto (publicado originalmente em 8/1/2009)

O documentarista Silvio Tendler era um recém-egresso entre os adultos (contava quase 30 anos) quando, após estudar fora durante muito tempo, resolveu começar a sua carreira de cineasta. Escolheu o ex-presidente Juscelino Kubitscheck como tema e dirigiu ‘Anos JK’ (1980). O sucesso foi imediato. O talento dele saía por todos os poros. Carlos Diegues, por exemplo, o chamou para ficar à frente das filmagens do velório de Glauber Rocha, em agosto de 1981, devido à fama de Tendler e seu ‘Anos JK’. Curiosamente, ao mesmo tempo em que o diretor cuidava dos closes do caixão do pai do Cinema Novo, Tendler lançava um filme com teor completamente oposto às lágrimas do enterro de Glauber, com quatro protagonistas que faziam o Brasil inteiro rir todas as noites de domingo. ‘O Mundo Mágico dos Trapalhões’ (1981) fez Tendler mergulhar no universo circense, humorístico. A obra mostra bastidores de excursões, bem como as conversas dos quatro artistas sobre o programa exibido na TV Globo. Até o banho deles é mostrado, para se ter uma ideia. Porém, a parcialidade de Tendler faz a fita deixar a desejar em certos aspectos.

Narrado por Chico Anysio, também superfamoso à época por sua coluna semanal no Fantástico, ‘O Mundo Mágico dos Trapalhões’ inicia com uma apresentação da trupe num clube. A quadra, lotada de crianças e adultos, recebe os comediantes ovacionando-os. Em 1981, o programa, que estreara em 1976, rompia recordes de audiência a cada sete dias. Bastava a música de abertura soar nos ouvidos dos telespectadores para o país parar. Aliás, foram nas décadas de 60, 70 e 80 que os shows televisados de humor se alastraram pelas emissoras. Haja vista o próprio Chico Anysio Show, TV Pirata, A Praça é Nossa, Agildo Ribeiro etc. Atualmente há somente pseudocomédias de situação, travestidas para temas tupiniquins, que encontram bom lugar de repouso nas latas de lixo mais próximas. Mas 28 anos atrás era diferente e Os Trapalhões dominavam de domingo a domingo. Tendler soube aproveitar este ensejo e filmou o sucesso diante dos olhos. Usou imagens de colegas como a do jornalista Roberto D’Ávila. Em conversa com o apresentador, Renato Aragão, o Didi, líder do grupo, conta como é contracenar e trabalhar com os amigos Manfried (Dedé) Santana, Antônio Carlos (Mussum), Mauro Gonçalves (Zacarias). Conjunto invencível?

Nem tanto. Nem mesmo a sequência de milhões de pessoas em cada novo filme dos Trapalhões (estreavam dois longas-metragens por ano) contribuiu para a harmonia do quarteto. O motivo das picuinhas era talvez o mais antigo entre os homens de não tão boa vontade assim: dinheiro. A divisão de lucros acendeu em Dedé, Mussum e Zacarias um pisca-alerta preocupante. Entretanto, Didi resistia o quanto podia a dividir o pão, digo, as notas de cruzeiros. Claro que este roteiro nunca apareceu nas telinhas e evidentemente jamais entrou nas telonas. O filme de Tendler não seria diferente e sequer abordou este quesito. Lá, tudo parecia festa. E era. Os anos 1990 chegaram e com ele as tragédias. Zacarias morreria em março de 90. Mussum, quatro anos depois. Didi e Dedé ficaram bem mais do que órfãos. Aquele 29 de julho de 1994 (data do desaparecimento do também sambista Mussum) pôs um ponto final na graça dos Trapalhões. Aragão começou a carreira solo. Dedé teve sérios problemas de saúde. A dupla sobrevivente não teve outra alternativa senão prosseguir discussões acerca do dinheiro. Ficaram anos sem trocar uma só palavra.

‘O Mundo Mágicos dos Trapalhões’ destoa um pouco dos trabalhos feitos por Tendler. Autor de documentários sobre João Goulart, Castro Alves, Milton Santos e Glauber Rocha, o diretor filmou a vida dos Trapalhões somente por opção, talvez distração. A primeira impressão que se tem ao vê-lo é de uma sucessão de remendos feitos com esmero e dedicação. O cineasta era novato na profissão e quis levar às pessoas um assunto amplamente conhecido. Conseguiu instantes raros como a passagem de Aragão por Hollywood, onde rodaria a sátira à Guerra nas Estrelas. Os apetrechos com aparelhagem, as máquinas dos efeitos especiais e a estada do humorista nos EUA caíram nas mãos de Tendler e viraram documento. No lado bom, temos eternamente capturadas as imagens dos quatro juntos, em ação. No lado ruim, somente se pensarmos como pessimistas atrozes, o que observamos é o erro anunciado. É impossível assistir a ‘O Mundo Mágico dos Trapalhões’ e não resistir em imaginar o que mais eles poderiam ter feito se não desperdiçassem o tempo brigando em demasia. Todavia, os 13 anos (76-89) valeram demais para quem soube aproveitar.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 23/09/2009
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