Quinteto fantástico (publicado originalmente em 27/11/2008)
Um filme de ‘cabeças baixas’ é como pode ser definido o novo projeto de Walter Salles Júnior. Dez anos após triunfar com ‘Central do Brasil’ (1998), o diretor encampou outra história comovente, mas ao mesmo tempo entupida de lições de moral e clichês exagerados. ‘Linha de Passe’ (2008) tem, além de Salles, Daniela Thomas como diretora também. Ambos levaram à telona cinco vidas muito desiguais: Cleusa (Sandra Corveloni, premiada no Festival de Cannes como melhor atriz), com cerca de 40 anos, cuida de quatro filhos de pais diferentes e está grávida de um quinto – é doméstica; Dario (Vinícius de Oliveira, o garoto de ‘Central do Brasil’, agora com o rosto esburacado por espinhas e cabelos à Ronaldinho Gaúcho) quer ser jogador de futebol, porém, aos 18 anos, está desempregado e vê o sonho cada vez mais longe por não conseguir passar nos testes nos clubes; Dinho (José Geraldo Rodrigues) é um recém-evangélico e dedica-se a Jesus; Dênis (João Baldasserini), o mais velho, vira-se como motoboy para sustentar um filho que ele não quis ter; e Reginaldo (Kaique de Jesus Santos), o raspa-de-tacho, quer encontrar seu pai – para tanto, passa os dias em viagens de ônibus pela cidade.
Todos têm problemas insolúveis a primeira vista. Os insucessos insistem em bater à porta deles sem cessar. O desprezo da sociedade lhes atinge como um cruzado diário de Adilson Maguila. Bem ou mal, os cinco se suportam na humilde casa. Há revoltas, mas nada que os faça perder o amor um do outro. Cleusa é severa na criação dos rebentos. Todavia, gosta mais de Dario, cujo pai morreu há alguns anos. Este não enxerga perspectivas. Pior: como precisa de dinheiro para treinar numa equipe amadora (já é melhor que nada), recorre à mãe e seus raros trocados. Dinho é maltratado pelo patrão no posto de gasolina no qual trabalha. Dênis quer ‘comparecer’ junto à mãe de seu filho e resolve se bandear ao lado do crime. Reginaldo, o mais atrevido, segue nos bancos de ônibus. Quer achar o pai.
Salles sempre foi um bom diretor de atores. Além da fita de uma década atrás, percebe-se a sua mão talhada em outras tramas, por exemplo, ‘Abril Despedaçado’ (2001) e ‘Diários de Motocicleta’ (2004). Em ‘Linha de Passe’, a média não baixou. Entretanto, não subiu. Ele e Daniela não foram tão ajudados pelo roteiro que a própria escreveu ao lado de George Moura e Bráulio Mantovani. Apesar de o drama ser bem montado e haver lampejos felizes (os momentos de Sandra e Kaique são assim), a obra é inconstante, desperdiça seqüências que poderiam ser melhores aproveitadas. Ademais, o fim do longa é torto, com maus e mentirosos exemplos (a fuga do motoboy após assaltar um empresário é constrangedora, como se o bandido se regenerasse ali, em segundos, depois de tudo o que aprontou).
Sem dúvida, se não fosse o quinteto de protagonistas, a fita estaria perdida. E esta constatação se agiganta pois, com exceção de Vinícius de Oliveira, os quatro restantes estrearam no cinema com ‘Linha de Passe’. É, de fato, um quinteto fantástico. O antigo pirralho de ‘Central do Brasil’, agora aos 23 anos, se transformou em ator com ‘A’ maiúsculo. E o prêmio de Sandra na França só fez subir a cotação de Walter Salles Júnior, lembrando que o diretor ficou na média, apenas, com seus atores.
Como toda realização brasileira nos últimos tempos que se preze, a periferia é página principal no enredo. Parece um imã ou chamariz aos produtores. Para se fazer sucesso, deve-se filmar a gente das favelas, do suor, das frustrações... ‘Última Parada – 174’ (2008), de Bruno Barreto, indicado pelo Ministério da Cultura à disputa do Oscar 2009, cairá nesta conta. Daqui a pouco, o público brasileiro se enjoará (se é que já não está) disto, tal como com Hollywood e os eternos, bobos efeitos especiais.