Ingenuidade e doçura (publicado originalmente em 30/10/2008)

Audrey Hepburn ainda não tinha completado 25 anos quando o diretor Billy Wilder a convidou para sua nova empreitada. O projeto era uma história de romance entre a vassala (Audrey) e a disputa do amor dela por dois irmãos (papéis de Humphrey Bogart e William Holden). Ela estava terminando de colher os frutos pela ‘A Princesa e o Plebeu’ (1953), obra que lhe conferiu sua única estatueta do Oscar. A atriz, com aquele jeito meigo e olhar triste, não hesitou ao chamado de Wilder, este sim um famoso nome do cinema naquele 1954 (àquela altura havia rodado triunfos da força de ‘Crepúsculo dos Deuses’ –1950, por exemplo). As filmagens de ‘Sabrina’ (1954) iniciaram. O clima entre Audrey e Bogart era dos mais terríveis. Ele entrara nos sets em substituição a Cary Grant, que possuía outros compromissos. E ela, pobrezinha, não colaborava. Quando Wilder berrava “Ação!”, errava diálogos. As cenas tinham de ser repetidas inúmeras vezes. O ator, calejado com seus 25 anos de profissão, não suportava dividir o palco com a novata. Tentou, em vão, trocá-la por Lauren Bacall, a esposa dele.

Com menos de três anos de carreira, Audrey fez o que pôde. E fez bem. Todas as turras do ator se esvaíram quando a obra foi completada. Ela mostrou-se capaz e sua beleza e sensualidade inflaram as telonas. Aliás, parêntese: nenhuma atriz, desde a estréia do cinema em fins de 1895 trouxe consigo um encanto somado a formosura como Audrey Hepburn. Nenhuma. Fecha parêntese. Na Academia, a fita também retumbou em sucesso. Concedeu-a seis indicações na festa de 1955: diretor, direção de arte, fotografia, roteiro, atriz (para, claro, Audrey) e figurino, esta última detentora do troféu. Bogart, que morreria precocemente pouco depois, em 1957, aos 57 anos, de câncer na garganta, sequer esteve na lista dos indicados – ele que não se cansou de criticar Audrey Hepburn e tentou sacá-la do elenco.

O roteiro de conto-de-fadas escrito por Billy Wilder, Ernest Lehman (de ‘Intriga Internacional’ – 1959) e Samuel Taylor (de ‘Um Corpo que Cai’ – 1958) é um lugar-comum: a moça sem dinheiro, filha do empregado, apaixona-se pelo filho do patrão, o rico. Porém, este jovem (Holden) não dá bola a ela. Então, ela viaja a Paris por dois anos a fim de fazer um curso de culinária. Ao regressar, a guria está totalmente repaginada e requintada, trajando roupas de grifes e refinada. Demoram e reconhecê-la. Quando David (Holden, o esnobe) a vê se apaixona instantaneamente. Mas há um contratempo: o casamento dele com Elizabeth, filha de um empresário. A empresa da família dela quer se fundir com a de David, a Larrabee. O matrimônio será um ‘acordo’ para selar a transação. A encruzilhada surge.

Aí aparece Linus (Bogart), o irmão mais velho de David. Para garantir o enlace que ajudará os negócios da família, ele não hesita em atrapalhar o romance de David com Sabrina. Aos poucos, é o frio e workaholic Linus quem se enamora pela garota. O final chega a ser surpreendente e de ar bem positivo. Não poderia ser diferente. O mundo estava cansado de tragédias. Bastavam todas as mortes da Segunda Guerra Mundial, terminada praticamente uma década antes. Deveras, tudo eram flores...

Algumas curiosidades flertam com os trabalhos realizados em ‘Sabrina’. A principal talvez seja os salários pagos na época. Humphrey Bogart, o veterano, embolsou US$ 300 mil, hoje uma quantia pífia para astros da sétima arte. Atualmente fala-se em centenas de milhares de dólares para começar uma filmagem. Holden, o intermediário, com 15 anos de estrada profissional, recebeu US$ 150 mil. E Audrey Hepburn, aquela com apenas 36 meses de carreira, mas já com um Oscar na bolsa, faturou ‘estratosféricos’ US$ 15 mil. Como vocês podem notar, ela era tão doce, delicada e... muito ingênua.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 18/09/2009
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