Mais um produto kubrickiano (publicado originalmente em 18/9/2008)

O que se faz no cinema de hoje com 75 mil dólares? Talvez se pague uma diária do figurante e nada mais. Ou então se pode comprar algum equipamento reles para alguma seqüência. Porém, há 53 anos, não era bem assim. Os 75 mil dólares não eram aquela fortuna, mas uma quantia dessas poderia ser aproveitada bem. Stanley Kubrick pegou este dinheiro e fez ‘A Morte Passou por Perto’ (1955). Trata-se de fita marginal, no bom sentido. O protagonista é o lutador de boxe Vicent Rapallo (Frank Silvera). Ele salva a dançarina Irene Kane (Gloria Price) das garras do patrão, o tarado Davy Gordon (Jamie Smith). A partir daí, começa uma perseguição em repelão. O filme sustenta-se neste trio. Aos que salivam por cenas de lutas, além da típica correria, se deliciarão. O roteiro de Howard Sackler é não menos impactante, contudo, ingênuo. O filme tem reviravoltas sensacionais. Por ser um trabalho de Kubrick, os fãs poderiam se decepcionar pela qualidade da trama. O diretor tinha apenas 27 anos.

Com cinco anos de carreira, Kubrick tinha reconhecimento quase zero da crítica e talvez pelo público também fosse ignorado. ‘A Morte Passou por Perto’ foi seu segundo média-metragem (havia feito outro em 1953, além de três curtas entre 1951 e 1953). Podemos analisar que não estava com o calibre em dia ao rodar a história de amor coibido entre Vicent e Irene. Deixou-se levar pela emoção. Os atores eram inexperientes – Silvera e Smith contavam menos de 35 meses de carreira e Gloria só estreava na sétima arte, e Sackler escrevia o segundo roteiro de sua vida. Curiosamente, a turma se mantinha ao lado do ‘patrão’, pois Silvera, Smith e Sackler haviam filmado com Kubrick em ‘Medo e Desejo’ (1953). Todavia, ‘A Morte Passou por Perto’ tem seus méritos. Estes são reproduzidos em cenas inesquecíveis. A seqüência da luta entre Rapallo e Gordon na loja de manequins é imperdível. Os dois atacam e se defendem com pernas e braços de gesso. O público vê cabeças e mãos voando...

Seria este momento o de estréia de esquisitices nas obras de Kubrick? Vamos nos recordar que foi ele quem nos mostrou instantes aluados como quando Tom Cruise mascarado invadindo a festa de prazer total em ‘De Olhos Bem Fechados’ (1999), o mar de sangue envolvendo a sala do hotel de ‘O Iluminado’ (1980), o bebê ‘encarando’ o planeta em ‘2001: Uma Odisséia no Espaço’ (1968) etc. E como saber o que se passava na cabeça daquele menino tímido que mal falava com os outros e queria viver em seu próprio mundo? O acossamento dos gangsteres ao boxeador poltrão é outro período que vale a pena contemplar. Eles sobem, descem prédios, escadas, galpões. A câmera nervosa de Stanley Kubrick corre atrás deles sem descanso. E impossibilitado de gravar os diálogos do filme no próprio set, devido a problemas técnicos, o diretor realizou posteriormente a tarefa com todas as falas, efeitos sonoros, incluindo-os depois no filme. A obra estreou em Nova Iorque em 21 de setembro de 1955.

‘A Morte Passou por Perto’ foi o último filme de Kubrick cujo roteiro não esteve baseado em livro ou conto já publicado e levou um único prêmio. Quase quatro anos após lançamento, concorreu no Festival Internacional de Cinema de Locarno – Suíça. Locarno é uma pequena cidade com menos de 15 mil habitantes. S. Kubrick levou o troféu de melhor diretor (Ernest Borgnine levou o prêmio de melhor ator por ‘A Emboscada do Coelho’ – 1959). Se não estou enganado, este galardão de Locarno figurou como primeiro e último de Kubrick. Ele receberia outras três medalhas pela contribuição ao cinema: 1988, na Itália (Prêmio Luchino Visconti) e 1997 do Festival de Veneza e da Companhia de Diretores Americanos. Mas ele queria saber era de seguir seu rumo. Não se importava com ninguém.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 17/09/2009
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