Garoto-prodígio, homem-exemplo (publicado originalmente em 4/9/2008)
O mundo do cinema teve, ao longo dos tempos, várias crianças-prodígio. Desde o fenômeno de nome Shirley Temple na década de 30 (tem hoje 80 anos) até a menos ‘lindinha’ Abigail Breslin (de ‘Pequena Miss Sunshine’ – 2006), a sétima arte se lambuzou de usar e abusar destes pequenos ouros, os quais renderam (e rendem) cifras magníficas. Um deles, muito famoso nos anos 1950, está quase esquecido nestes dias. Refiro-me a Pablo Calvo Hidalgo. Tenho a certeza de que você que me lê não ligou o nome à pessoa. E nem se apresse em se culpar por isto. Duvido da existência de alguém que, de bate-pronto, responda quem é ele. Na verdade, o ator, cujo nome artístico é o diminutivo, Pablito Calvo, ficou conhecido mundialmente como Marcelino. Nascido em Madri, este espanholzinho fez o planeta emocionar-se em 1955, quando, no alto de seus sete anos incompletos, protagonizou o filme ‘Marcelino Pão e Vinho’. Agora, você que já o assistiu, conseguiu se recordar dele? Claro, sempre...
Dirigido pelo húngaro Ladislao Vajda, Calvo se deu bem logo em seu primeiro trabalho. Como Marcelino, o menino largado em frente a um mosteiro e criado por 12 frades franciscanos que entra em contato com Jesus Cristo por meio de sua fé, ele abriu portas. Porém, semelhantemente com todos os curumins, bastou crescer para todo o mundo avaliá-lo como ‘o sem-graça’. Tanto assim que o ator trabalhou apenas em oito fitas, a última delas em 1963, aos 15 anos, ‘Barcos de Papel’. A esperteza de Calvo saiu do armário depois desta gravação. Sabendo que estava liquidado aos ecrãs dos quatro cantos, não choramingou um segundo. Estudou engenharia industrial. Parou nas empresas. Seguiu na carreira por muitos anos até perceber o cansaço daquele serviço. Virou empresário. Em 1976 casou-se com Juana Olmedo. O olho-vivo permaneceu. Perspicazmente, evitou ao máximo aparecer na TV, em público. Não desejava que o vissem e dissessem: “Este senhor enrugado foi aquele Marcelino?”.
Impediu, desta forma, a curiosidade forçada que absolutamente teriam sobre ele. Na época das filmagens de ‘Marcelino Pão e Vinho’, ao contrário, tudo era festa. Quando a película foi lançada, os muitos entristecidos e desgostosos com as mortes provocadas pela Segunda Guerra Mundial tiveram o ar esperançoso. De repente, se depararam com aquele garoto de sorriso firme, o menino travesso e bisbilhoteiro que exalava ternura e carinho. Emocionaram-se quando, indagado por Deus sobre qual era seu maior desejo, respondeu: “Quero conhecer minha mãe. Sei que ela está no céu. Então poderei conhecer a sua também.” Esta ingenuidade o marcou. Transformou Pablito, ainda sem entrar na pré-adolescência, em mito no seu país de origem. Esteve ao lado de Vajda em mais duas fitas: ‘Meu Tio Jacinto’ (1956) e ‘Um Anjo Desceu no Brooklyn’ (1957). Ficou nos sets pelo menos uma vez ao ano, menos em 1959, quando descansou brincando de esconde-esconde na rua de sua casa com os amigos.
Possui ainda melhores requisitos das demais personalidades petizes. Quando virou adulto, não estampou manchetes de jornais ou capas de revistas com escândalos envolvidos com drogas, bebidas e brigas, sequer batidas policiais. Pôde ser chamado de ‘homem-exemplo’. Mas o destino deixou isto de lado. Em 1º de fevereiro de 2000, a 44 dias do 52º aniversário, uma violenta hemorragia cerebral o matou no município de Alicante, Espanha. Só então o mundo que o aplaudira com as lágrimas soube como era a sua fisionomia cinqüentona. Em nada lembrava o guri de calças curtas e suspensórios que reinava entre os 12 religiosos. A amargura da perda foi enorme. Mas Calvo saiu de cena dignamente, sem explorar a imagem nem provocar pena alheia. Por tudo isto, merece nossa ovação e homenagem.