O bom e velho Chico (publicado originalmente em 24/7/2008)
Ao anunciaram o começo do show, sexta-feira (dia 18), com 40 minutos de atraso, o senhor de 77 anos, com cabelos totalmente embranquecidos, vestindo paletó e calça cinzas e camisa azul bem clara, subiu os cerca de dez degraus que separavam o palco do bastidor. O espetáculo a iniciar seria o de número 11.386 na carreira de 61 anos. Somava-se aí um recorde atrás de outro recorde. O homem, Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, o “mestre dos mestres do humor brasileiro” Chico Anysio, principiou ‘De Pai para Filho’ lendo uma carta de um pai arrependido ao genro. Era a piada 1. Dela, seguiram-se centenas. Com o filho André Lucas como parceiro na empreitada, o comediante não fez força para levar a platéia da Associação de Taubaté às gargalhadas, retribuídas com salvas de palmas a cada dez minutos. Assisti à vivacidade do maranguapense com o brilho nos olhos. Fã dele há duas décadas, quando Chico Anysio Show dava 80 pontos de audiência, maravilhei-me de ponta a ponta.
Coisas de Cinema já publicou duas colunas sobre o artista: maio de 2005 e novembro de 2007. Os escritos se voltavam ao mesmo tema: a desvalorização injusta do profissional. Desde 2001 de fora da programação televisiva e com contrato com a estação carioca até 2012, o ator somente aparece em determinadas novelas. Porém, depois de vê-lo em ação na atividade que mais gosta, o show no teatro, minha linha de raciocínio se alterou. Chico não precisa mais da TV Globo. Tornou-se um mito vivo, perambulando com seus ‘causos’, anedotas, lembranças e histórias divertidas sobre o Nordeste, berço da imaginação, folclore e riqueza, ingredientes principais do ‘De Pai para Filho’. Durante os quase 100 minutos de show, eles alternaram-se no palco. Lucas parece ter aprendido muito com o pai. Sua desenvoltura a narrar os chistes lhe dão base suficiente para ‘duelar’ com o companheiro. Mas, claro, sozinho jamais conseguiria algo além do simplório... Chico tinha de estar ali, senão a graça sumiria.
Algo raro nas apresentações dele, o humorista imitou Painho, um de seus carros-chefes. E, mais raro ainda, o fez sem a caracterização, apenas com alguns colares pendurados no pescoço. Trouxe à tona, também ausentes as roupas próprias, Silva, o ‘bonitim’, outro personagem famoso. Os esquetes confirmaram presença, como não poderia deixar de ser. Chico Anysio é expert neste tipo de atuação. Com espetáculos rodando o Brasil e exterior desde os anos 1960, se especializou em fazer os outros rirem com o conteúdo inteligente, crítico, mordaz e diferente dos colegas. Aliás, está a nascer alguém como ele. São pessoas incomuns, em desuso hoje em dia, ímpares. Chico sabe analisar o país e exibi-lo ao público como se fosse uma radiografia do cotidiano. Simplifica-o de maneira a facilitar o ‘abrir de olhos’ dos brasileiros. Abordou personalidades como, por exemplo, o piloto Felipe Massa, Lula, Marta Suplicy, Fernando Henrique, etc. Tudo com o seu sorrisinho no rosto, a marca registrada dele.
Com o fim do show, um pequeno número de pessoas se aglomerou perto do camarim. Entre os macacos-de-auditório estava este que vos escreve. Uns minutos depois, André Lucas abriu a porta. O alvoroço se instalou. “Chame seu pai, por favor,”, pediam os admiradores. “Vem todo mundo”, agitou o filho e empresário de Chico. Quando estávamos perto da porta ele surgiu, manso, andando devagar. “Eles queriam ver você”, disse Lucas. As fotos começaram. A dele comigo foi a penúltima. Minha impressão se confirmou: a amabilidade de Chico foi sentida a exaustão. Ele não se cansava com seu público e agradecia as manifestações de carinho. Distribuiu autógrafos, foi acessível. Uma estrela da mais alta grandeza não só da tevê, mas também do teatro, cinema, artes plásticas, literatura, música...