O gosto dos fregueses (publicado originalmente em 17/7/2008)

Em geral, o que atrai a maioria do povo ao cinema? Não sejamos hipócritas. A resposta salta à vista: sexo, ferocidade, efeitos especiais gigantescos, comédia chula com palavreados mais reles; isto tudo em qualquer ordem. Claro, atualmente a situação é evidente... O público que paga ingresso tem no bolo adolescentes masculinos sedentos por estes apontamentos. É a maior parte, o grosso dos que vão aos ecrãs. E Hollywood os atiça exatamente com filmes recheados destas anomalias. Nada mais sobra aos outrora ‘românticos’. Estes se dirigiam às poltronas para reverenciarem beijos ‘ardentes’ de astros como Greta Garbo, Gary Cooper, Cary Grant e Ava Gardner. O tempo deles terminou. Porém, já que não há, pelo jeito, volta, devemos nos incumbir de achar fitas que valham a pena seus minutos. Uma com os ingredientes citados (sensualidade, brutalidade) é, nesta década, ‘Marcas da Violência’, que veio para ficar. Possui a história intrigante, cenas de lubricidade, agressividade e de bom gosto.

Dirigido pelo canadense David Cronenberg e estrelado pelo nova-iorquino Viggo Mortensen, o longa-metragem é refilmagem de ‘Gatilho Relâmpago’ (1956). Na trama do século 21, Mortensen é Tom Stall, pacato proprietário de lanchonete na pequena e acolhedora cidade de Millbrook, no estado da Indiana. Mora com esposa e filhos. Enfim, sujeito simples. Numa noite, quando está quase na hora de fechar o estabelecimento, é surpreendido por dois assaltantes. Em lance de agilidade, ele consegue impedir o roubo da loja matando a dupla de bandidos. Daí para frente, a sua antes acomodada vida se transforma em burburinhos. Emissoras de televisão querem entrevistá-lo, é cercado por fãs a todo o instante e vira o herói do município. Alguns dias depois, chega a Millbrook Carl Fogarty (Ed Harris). Quer porque quer retirar Stall de lá. Cismou que ele é um antigo matador de aluguel e que fugiu para não ser aniquilado por seus chefes após cometer uma série de desacertos. A encruzilhada está feita...

É ou não um drama com sustância? A resposta de ‘Marcas da Violência’ é sim devido às belas atuações e as pretensas ousadias de direção de David Cronenberg. Neste caso, satisfazer ao gosto dos fregueses é questão de honra. As seqüências brutais são rodadas com cautela, bem como as de sexo. E existe uma boa quantidade de ambas. O quilate do roteiro de Josh Olson é multiplicado quando da participação de William Hurt. Ele trabalha em apenas nove minutos do filme, mas foi o suficiente. A parte final é o brinde ao espectador. Hurt e Mortensen estão em sintonia afinadíssima. Os ‘infinitos’ nove minutos renderam a W.Hurt a indicação ao Oscar de coadjuvante. Olson obteve reconhecimento sendo notado no de roteiro adaptado. Os dois não levaram a estatueta, todavia nem necessitava de tal consideração. ‘Marcas da Violência’ resultou em prato cheio aos púberes e atrativo arrojado aos mais velhos. A narrativa é consideravelmente criativa aos padrões hollywoodianos. Cronenberg triunfou.

Evidentemente, seria bem mais fácil assistir às películas pobres de Eddie Murphy, Jim Carrey, Steve Martin, Steven Seagal, Chuck Norris, Jackie Chan, de Adam Sandler, Arnold Schwarzenegger, Sylvester Stallone, Audrey Tautou, Charles Bronson, Xuxa Meneguel, Renato Aragão, Vin Diesel, Reynaldo Gianecchini, Daniel Filho, Pierce Brosnan, Jean-Claude Van Damme, Jet Li, Tom Cruise, Brad Pitt, Martin Lawrence, Charlie Sheen, Sandra Bullock, Madonna, Will Smith. Estes 26 pseudo-artistas nada têm de talento. Temos de nos ater às obras envolventes. Eu venho há praticamente cinco anos com o dedo em riste escrevendo sobre as fitas boas. Somos fregueses principais da sétima arte... Nosso Procon é intuir filmes ruins com antecedência, cheirar indisposições de longe. Que tal tentar?

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 14/09/2009
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