Vênus e os espelhos (publicado originalmente em 26/6/2008)

Na festa do Oscar de 2003, ao ganhar o prêmio honorário, o ator Peter O’Toole agradeceu com o rosto ruborizado, mas fez questão de afirmar sua não-condição de aposentado. “Sei que ainda posso concorrer”, comentou. Então com 70 anos, havia sido indicado sete vezes pela Academia. Nascido na Irlanda, iniciou a carreira em 1959. Três anos mais tarde, fez o filme que talvez o fixou na mente dos fãs da sétima arte: ‘Lawrence da Arábia’, no qual interpretou o papel-título. Os personagens a seguir também lhe renderam lembranças ao principal troféu do cinema, porém as sombras do tenente inglês insistiam em permanecer por perto. As décadas de 1970 e 80 marcaram um momento de transição na carreira. A fisionomia jovial deu lugar ao aspecto enrugado, magro, maltratado. Os olhos azuis foram se enternecendo. O guerreiro de outrora agora era um senil encanecido. Rodou a minissérie ‘Hitler’ à TV (como o presidente alemão Hindenburg) e dublou o crítico gastronômico de ‘Ratatouille’ (2007).

Era pouco para ele. Foi quando o diretor Roger Michell (de ‘Um Lugar Chamado Nothing Hill’ – 1999) o convidou para rodar ‘Vênus’ (2006), sobre Maurice, ator decadente que se vê subitamente apaixonado por Jessie, sobrinha-neta de seu melhor amigo, Ian, este um velho rabugento, implicante e hipocondríaco. História similar à vida de O’Toole naquele instante? Sim e não. Sim porque nele o público, principalmente os jovens, o olhava como um idoso. Não porque não era um profissional com a carreira no ponto final. Os cinéfilos devem recordar de pelo menos outras três superproduções nas quais os protagonistas são recortes da sua realidade: em ‘A Malvada’ (1950), Bette Davis faz a atriz quarentona enciumada com a de 20 anos em ascensão; ‘Crepúsculo dos Deuses’ (1950), se preocupa em se deter na atriz ultrapassada e desesperada à procura de trabalho –Gloria Swanson, então com 53 anos, viveu a situação e ficou com o papel principal; e ‘As Confissões de Schimdt’ (2002), onde, pela primeira vez, vemos Jack Nicholson desenvolver um personagem de quase 80 anos preocupado com a morte (faria de novo este tipo em ‘Antes de Partir’, de 2007, ao lado do amigo Morgan Freeman).

‘Vênus’ redime Peter O’Toole de seus pecados. O roteiro de Hanif Kureishi foi camarada com ele... Os diálogos são picantes nas cenas entre Maurice e Jessie (Jodie Whittaker). “Pode por a mão, mas não me beije. Não quero sua ‘baba’ em mim”, diz ela em relação à sua nuca. “É o meu máximo. Não posso mais que isto”, responde Maurice, recém-operado de câncer na próstata. Jessie veio morar com Ian a fim de encontrar emprego em Londres. Mais precisamente o de modelo. Cheia de energia, seu comportamento contrapõe ao do tio-avô. A dupla não se dá. Ela encontra em Maurice o apoio aos seus mimos. Ele a leva para visitar museus. É num deles que o ator apresenta à adolescente ‘Vênus Olhando-se ao Espelho’, quadro pintado pelo espanhol Diego Velázquez: a moça deitada de costas, mostrando todo o seu corpo nu. A figura mitológica se esbaldava. E Maurice era seduzido por Jessie.

A atuação de O’Toole surpreendeu poucas pessoas. Como a maioria sabia que era um talentoso ator, ninguém estranhou quando assistiu nas telonas àquela performance sublime e reta. Então, a sua indicação ao Oscar veio. Exatamente 36 meses após ser brindado com a mini-estátua pelo conjunto da obra. Concorreu com atores que poderiam ser filhos ou até netos: Forest Withaker (ele ganhou por ‘O Último Rei da Escócia’ – ele contava 45 anos em 2006), Will Smith (38), Leonardo DiCaprio (31) e Ryan Gosling (25). Ao anunciarem os cinco postulantes ao objeto dourado, Peter O’Toole olhou ao redor. Foi muito aplaudido. Era esta a homenagem aguardada. Afinal, estava (e está) ainda na ativa.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 13/09/2009
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