Dois em um (publicado originalmente em 5/6/2008)
‘O Franco Atirador’ (1978) e ‘Os Bons Companheiros’ (1990) têm uma linha de caminho bem semelhante. A participação de Robert de Niro na dupla de filmes pode ser apontada como um fator à revelia a estes pontos similares. Seria fácil demais. Que as fitas concorreram, nos respectivos anos, à principal categoria do Oscar – a da década de 1970 levou – também é empurrar bêbado da ladeira. A alta exalação de violência é mais uma característica comum ao par. Paralelos deixados de lado, suas diferenças são gritantes. E ambos são primorosos em questão de tiros. Sim, tiros. ‘O Franco Atirador’ relembra a experiência arriscada de quatro amigos bon-vivant que são mandados ao Vietnã durante o período em que a guerra assolava e massacrava o povo dos Estados Unidos com imagens tétricas dos mortos e dos feridos. A temporada do quarteto modificará para sempre a amizade deles. Já ‘Os Bons Companheiros’ mostra os bastidores da máfia italiana nos EUA segundo a avaliação de um iniciante.
Nele, o diretor Martin Scorsese retrata a ascendência de Henry Hill (Ray Liotta) em um grupo de gângsteres. De Niro interpreta Jimmy Conway, famoso contrabandista em quem Hill deposita suas admirações de infância. O longa é baseado em fatos reais. Jimmy Burke (no filme, Conway) e H. Hill foram parceiros em tudo, até nas tragédias nas quais suas vidas desenharam. O mais velho ensinou ao mais novo as artimanhas do crime e ambos acabaram presos nos anos 1970 devido ao ousado roubo da empresa Lufthansa, onde alguns milhões de dólares fizeram a cabeça de muita gente. Depois, Hill se torna paranóico quando os ‘bons companheiros’ morrem, um a um, entre eles Tommy de Simone, encarnado por Joe Pesci (levou Oscar de coadjuvante por esta obra). O novato, então, se envolve com o mundo do tráfico de drogas. Em 1980, é preso novamente e delata diversos cúmplices importantes.
Pesci estava no melhor momento da carreira. Meses após este sucesso cairia em outro, com tom infantil: ‘Esqueceram de Mim’ (1990). Ali, fez o ladrão Harry, que repetiu em ‘Esqueceram de Mim II’ (1992). Mas em ‘Os Bons Companheiros’ arrasou como Tommy, o bandido inconseqüente e frio que matava por matar se alguém lhe enchesse a sua paciência. E De Niro, claro, desenvolve bem seu papel, contudo está um pouco apagado, o que contribuiu para o brilho de Pesci e Liotta. Este, que só havia dedicado o trabalho à televisão, surpreendeu pela aparência jovial e um tanto macabra. Podem-se contrabalancear os profissionais citados em ‘O Franco Atirador’. Com a Guerra do Vietnã como o pano de fundo, o apego ao convívio dos amigos é igualmente o fator preponderante. Porém, as cenas são profundas demais, por exemplo, a da roleta russa. Ameaçados de morte caso recusassem acatar as decisões dos vietnamitas, Michael (De Niro) e Nick (Christopher Walken) são postos a humilhações.
Aí pensamos: estamos de qual lado? O diretor Michael Cimino, nova-iorquino de nascimento, quer mudar a opinião do planeta em relação àquele conflito bélico? E em pleno 78, quando a batalha ainda estava com a tinta fresca na memória do mundo! Nesta película, Meryl Streep rodou o segundo dos mais de seus 50 filmes – o anterior foi ‘Júlia’, foi feito um ano antes. ‘O Franco Atirador’ é um longa de julgamento não apenas da guerra. Calcula milimetricamente o valor da confiança. Nick fica completamente mudado após a experiência no Oriente. Transforma-se em jogador de roletas-russas. Michael sobe de posto militar. Sua patente o deixa insensível. Linda (Meryl), a antiga namorada de Nick, quer se consolar com Michael. Enfim, nada é como antes. O tempo e o sofrimento modificaram hábitos e maneiras. ‘Os Bons Companheiros’ e ‘O Franco Atirador’ não hesitam em responder a isso.