De Guillermo a Ofélia (publicado originalmente em 29/5/2008)

Guillermo del Toro tem forma pantagruélica. Aos 43 anos, exibe uma figura arredondada. Não que seja bonachão, mas a gordura extravasa qualquer tipo de explicação. Diretor de cinema, ele, um mexicano de Guadalajara, começou a trabalhar em sets de filmagem em 1985, com curtas-metragens. Nada havia feito de acentuado até quatro anos atrás, quando rodou ‘Hellboy’. Sua cara foi mostrada ao mundo por meio da história do garoto salvo dos nazistas durante ritual de magia negra. Com este roteiro um tanto macabro, a fama brotou na carreira dele. Mais projetos surgiram. Em 2006, escreveu uma fábula. Ofélia, de dez anos, esperta e inteligente, muda-se com a mãe, Carmen, grávida de oito meses, para a casa do Capitão Vidal, oficial fascista. Estamos na Espanha de 1944, momento em que a Guerra Civil do país já terminara, mas alguns rebeldes ainda lutavam. Vidal quer exterminá-los.

A garota não tem companhia. A mãe, doente com a gravidez de risco, fica quase todo o tempo no quarto. O padrasto a maltrata. Está mais preocupado em matar guerrilheiros. A cozinheira da casa, Mercedes, é quem se importa mais com Ofélia. Neste mundo de solidão, a menina refugia-se em seus livros. A mãe reprova. “A vida não é um conto-de-fadas”, costuma dizer à criança, que não está nem preocupada com isso. Em passeios pela floresta avizinha da residência do Capitão, a guria encontra uma caverna. Nela, o dono, alto e de aparência esquisita – poderia escrever estranha, bizarra, exótica – vê em Ofélia a reencarnação duma princesa que reinou muitos anos e morreu jovem. Para a moça reaver seu posto, deve cumprir três tarefas. Caso não as realize, continuará vivendo debaixo do teto de Vidal e levará eternamente a vida sofrida, desesperadora que teve desde que se conhece por gente.

‘O Labirinto do Fauno’ (2006), logo na estréia, arrebatou público de todas as idades. O sucesso se explica por vários ângulos. Um deles é o sentimento imaginativo de infância que todos nós temos, sejamos velhos, adolescentes ou adultos. O próprio Toro diz ter se inspirado nele ao redigir o roteiro do longa. Outra elucidação é a grande simpatia da atriz Ivana Baquero, intérprete de Ofélia. Basta ver a fita. Notamos o quanto cativante ela é. Contava 11 anos ao trabalhar em ‘O Labirinto do Fauno’, a atuação de estréia nos ecrãs. A terceira análise pode ser apontada à magnífica feitura da maquiagem e fotografia do filme. As caracterizações do Fauno e Homem Pálido impressionam pela veracidade que passam aos espectadores. A Academia de Artes Cinematográficas reconheceu estas qualidades e deu à obra os Oscars destas duas categorias mais a de direção de arte. Foi indicada a outros três quesitos.

Nas filmagens, ocorridas entre 11 de julho e 15 de outubro de 2005, eram necessárias mais de cinco horas na transformação do ator Doug Jones tanto em Fauno como no horrível Homem Pálido. O segundo personagem era mais difícil de ser encarnado. Os olhos de Jones ficavam nos dois buracos do nariz do monstro e seus movimentos deixam desassossegado o público. É assustador o instante no qual pega os olhos na mesa, os põe nas mãos e leva-as ao rosto com as mãos espalmadas. Assim pode enxergar. Sem dúvida, uma fantasia recheada de parábolas às crianças. ‘O Labirinto do Fauno’ não deixa que efeitos especiais sejam protagonistas. Os atores têm a sua vez. E com muita excelência. Há espaço para ambos brilharem. O orçamento de US$ 5 milhões dado pela Warner Bros foi bem usado pela equipe. Trata-se só do sonho do menino Guillermo refletido nas telonas. Ofélia é a representação daquele infante rechonchudo cheio de pensamentos extraordinários. Um pouquinho de nós também.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 11/09/2009
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