Gandhi (publicado originalmente em 22/5/2008)
Em meados da década de 1970, um projeto deveras audacioso tomou corpo: levar ao cinema a história de Mohandas Karamchand Gandhi, ou, para o povo indiano, Mahatma Gandhi, líder pacifista que defendeu a independência de seu país frente a Inglaterra. Contudo, a missão era difícil. Nenhum estúdio queria produzir o filme. E, além disso, o já veterano diretor Richard Attenborough teve, antes de seguir adiante com a realização do longa, dirigir outros dois para ‘cumprir’ um favor ao produtor Joseph Levine, financiador de parte da fita sobre Gandhi, como um trato. Escolher quem interpretaria este personagem singular da história da humanidade foi outro passo cambaleante da tropa. Anthony Hopkins (‘O Silêncio dos Inocentes’ –1991) e Alec Guiness (‘Lawrence da Arábia’ –1962) estiveram cotados para dar vida a ele. Meras especulações. Já John Hurt (de ‘1984’ –1984) e Tom Courtenay (‘Doutor Jivago’ –1965) chegaram a fazer alguns testes para o papel. Então, Ben Kingsley apareceu.
À época com 38 anos, o ator somente havia feito trabalhos direcionados à televisão. Nada tinha de experiência com as câmeras da sétima arte. Coube ao diretor, ator e roteirista Harold Pinter indicar Kingsley a Sam Spiegel, sócio de Attenborough na empreitada. Ele o assistiu em uma peça teatral e gostou do que viu. Daí para frente as filmagens puderam iniciar. Lançado em 1982, ‘Gandhi’, com os 188 minutos que tem, não sobra somente na duração, mas também na extrema qualidade. As locações são realísticas. Toda a direção de arte está impecável, bem como a fotografia. De Kingsley, descrever aqui seria pecado. Tem de se ver a obra-prima. Nativos da Índia, assombrados com a caracterização do ator, pensaram que fosse o fantasma do líder pacifista. Na seqüência do funeral, filmada em 31 de janeiro 1981, data que marcou o 33º aniversário do sepultamento de Gandhi. Tudo foi límpido e leve.
‘Gandhi’ mostra praticamente todos os principais movimentos de Mohandas desde a expulsão de um trem, por causa de sua religião. Ainda com cabelos e bigodes pretos, o jovem advogado tenta começar uma ‘revolução de paz’. Sem usar armas, qualquer tipo de violência e palavras mais chulas, aos poucos Mohandas se transformou em Mahatma, que quer dizer ‘a grande alma’ do sânscrito. Mas a idéia dele esbarrou em determinadas inimizades por parte do governo britânico. Entretanto, Gandhi era teimoso: a cada suspeita de agressão de quem quer que fosse, ele começava a greve de fome, até cessarem brigas e desentendimentos entre seres humanos. Daí seu corpo frágil, quase esquelético, e a sua voz fina, meio embargada, nas frases ditas. Vivia bem desse jeito até os 78 anos. Na manhã de 30 de janeiro de 48, Nathuram Godse, nacionalista-extremista indiano, o matou a tiros a queima-roupa.
Na festa do Oscar do ano seguinte, como esperado, ‘Gandhi’, indicado a 11 estatuetas, levou 8: filme, diretor, ator, roteiro original, direção de arte, fotografia, figurino e edição (maquiagem, som e trilha sonora foram os quesitos em que perdeu). Kingsley e Attenborough saíram da festa completos e consagrados. Uma curiosidade da fita pôde ser vista nas filmagens do funeral. Nada menos do que 300 mil extras (igual a figurantes) estavam presentes. 200 mil delas voluntariamente. As outras 100 mil receberam uma pequena quantia em dinheiro. “Na época não havia efeitos especiais. A gente que estava lá era de verdade”, disse Kingsley nos extras do DVD do filme. E era a realidade de fato. Nos instantes nos quais o ator discursava, na pele de Gandhi, atentos extras o ouviam, muitos deles vindos da própria área em que o líder viveu. Sem dúvida, um longa-metragem baseado e filmado ‘in loco’.