Partes de um todo (publicado originalmente em 15/5/2008)
A guerra que assola o Iraque e matou milhares de pessoas comemorou o quinto aniversário em março. O governo de George W. Bush terminará em janeiro com um saldo negativo. E bem negativo. A única glória, se é que podemos escrever desta forma, foi a queda de Sadam Hussein, enforcado há algum tempo. De lá para cá, Hollywood produziu algumas fitas acerca do assunto. Não poderia ser de outra maneira. Fatos trágicos como a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã protagonizaram cenas antológicas ao cinema estado-unidense. Quem não se lembra, por exemplo, de Charles Chaplin brincando com o globo terrestre vestido de Adolf Hitler em ‘O Grande Ditador’ (1940)? Ou então a cena dos helicópteros ao som de ‘Cavalgada das Valquírias’ de ‘Apocalipse Now Redux’ (1979)? As seqüências inesquecíveis são muitas. Os conflitos também. Orgulhar-se da barbárie é palma de ouro.
‘No Vale das Sombras’ (2007) dá a luz a Tommy Lee Jones. É engraçado ver como este ator se reinventa mesmo fazendo praticamente um igual papel em cada filme: o de policial, seja ele veterano ou não. Aqui ele é Hank Deerfield, ex-combatente do Vietnã. Seu filho, Mike, estava em Bagdá e já retornou aos Estados Unidos. Contudo, ele não retorna à base do exército e a instituição avisa os pais que Mike será considerado desertor. Hank decide procurar o soldado. Aos poucos, descobre que ele foi assassinado e seu corpo queimado e esquartejado. Diante de tais brutalidades, o pai resolve ir até o fim. Ao lado da detetive Emily Sanders (interpretada por uma segura Charlize Theron), as pistas se anunciam ainda piores. Susan Sarandon dá um banho como a mãe de Mike. A seqüência em que ela é levada para ver o corpo do filho através do vidro é intensa e magnífica. Lição de cinema, sem dúvida.
Como alguém disse, Jones atua pelo silêncio. Suas marcas faciais, raríssimos sorrisos, olhares quase parados... Tudo feito com extrema delicadeza, apesar dos gestos rudes. Também nas filmagens de brigas (e há uma que o envolve em ‘No Vale das Sombras’), ele é elegante. Bate sem entortar sua coluna. A tristeza de perder um filho reflete-se no rosto macabro de Jones. As poucas palavras ditas por seu personagem soam mais como violinos desafinados a concertos límpidos de piano. O diretor Paul Haggis, aliás, é bom nisso. Apesar de ‘Crash’ (2005), que esteve à frente, não ser espetacular, a forma de lidar com os atores e tirar deles seu limite é impressionante. Jones, devido a este trabalho, recebeu a indicação ao Oscar deste ano... Se Susan tivesse sido apontada como coadjuvante não seria má idéia. Charlize ficou fora. Ela, penso, jamais conseguirá repetir a atuação por ‘Monstros’ (2003).
A proposta de roteiro de Haggis era para Clint Eastwood ficar com o papel de Hank. Talvez o ator, de 76 anos, não desse conta do magnetismo sentimental da trama. Tanto Eastwood quanto Jones são ‘frios’ como atores, ou seja, demonstram pouquíssimo os sentimentos nas telonas. Mas o segundo é mais flexível. O diretor premiado por ‘Menina de Ouro’ (2004) é acavalado. Jones seria mais a cara da guerra iraquiana, digamos assim... O quase octogenário combina pouco com cenários de guerras. Paul Haggis quis rodar ‘No Vale das Sombras’ após ler Death and Dishonor (‘Morte e Desonra’), de Mark Boal, publicado na revista Playboy. Haggis levou um ano e meio até concluir o roteiro. O título original ‘In the Valley of Elah’ refere-se ao trecho da Bíblia que indica o local aonde Davi encontrou Golias. As sombras do nome abrasileirado são pelas cenas captadas por celular por Mike no Iraque. O garoto filmou situações horríveis, como o atropelamento de uma criança. É baseado em fatos reais.