A Gloriana (publicado originalmente em 24/4/2008)
Quem viu ‘Elizabeth’ (1998) e a sua continuação, o filme ‘Elizabeth: A Era de Ouro’ (2007), nota, sem muito esforço, a grande diferença entre uma obra e outra: o romantismo. No restante, nada muda demasiadamente. Cate Blanchett continua a interpretar o papel-título com bastante segurança e sobriedade, qualidades que a levaram a ser indicada a melhor atriz nestes dois trabalhos. Em ambas as ocasiões perdeu, mas pelo menos teve seu importante esforço reconhecido. Geoffrey Rush, como o conselheiro Francis Walsingham, também atua com esmero e sem comprometer a película. O diretor e ator paquistanês Shelkhar Kapur, de 62 anos, na nona fita da carreira (o de dez anos atrás foi seu sétimo projeto – ele desenvolveu o oitavo bem mais tarde, em 2002), está como em 1998: dedicado a explorar detalhes da rainha com variações de suavidade misturadas com cenas de guerra e seqüências sangrentas de decapitações e outras tantas manifestações de ardor. ‘Elizabeth: A Era de Ouro’ mostra uma Inglaterra às vésperas de mergulhar na Guerra Santa contra praticamente toda a Europa, sendo o principal oponente a Espanha, governada por Felipe II. Eram católicos que assassinavam por Deus...
O roteiro de William Nicholson e Michael Hirst mostra como a rainha inglesa lidou com a sua infertilidade, a busca por um pretendente e às traições por parte de sua prima, a rainha Maria Stuart, da Escócia. A participação do ator Clive Owen no longa-metragem tem a ver com os dois primeiros quesitos apontados neste parágrafo. Ele dá vida a Walter Raleigh, o famoso explorador britânico. Ele se tornou um dos preferidos da rainha, quando retornou de uma expedição pela Irlanda. As histórias a fascinaram de tal ponto que Elizabeth teria se apaixonado por ele, mas não quis prosseguir com este romance com medo de que isto destruísse seu reinado. Na fita de Kapur há o envolvimento dele com Bess Throckmorton, uma das aias da comandante britânica. A líder a expulsou do palácio e mandou prender Raleigh, supostamente por alta dose de ciúmes. Entretanto, ele foi solto mais tarde a pedido dela para ajudar nas batalhas contra navios espanhóis. Dezenove anos mais moço que Elizabeth (ela nasceu em 1533, ele em 1552 – quando eles se conhecem, a rainha está com 52 anos), o aventureiro preferiu a juventude de Bess, 11 anos mais nova. A Inglaterra saiu vencedora e Elizabeth, sozinha...
Dos quase 45 anos de reinado, Elizabeth teve como calcanhar de Aquiles a religião. Ao assumir o trono, precedida por sua meia-irmã Maria Tudor, católica fervorosa, Elizabeth, protestante em igual tom, tinha pela frente uma nação falida e combalida. Deixou, digamos assim, as questões religiosas em plano inferior. “Os ingleses são livres” é uma das frases proferidas pela atriz Cate Blanchett. Mas a Guerra Santa se alastrava e a Inquisição queria tomar as rédeas dos povos do mundo todo. Então, o catolicismo dominaria e ‘hereges’, como ela, seriam todos executados. Conhecida como a Gloriana, a Rainha Virgem e Boa Rainha Bess, Elizabeth triunfou no período em que reinou. Data desta época a formação do Império Britânico e ascensão das artes, sobretudo na dramaturgia com as peças teatrais de William Shakespeare. Quando a rainha morreu, aos 69 anos, em 1603, não deixou herdeiros. Sua nação, porém, estava grata. O longa mostra esta gratidão. As câmeras de Kapur são benfeitoras para Blanchett. Iluminação, figurino (ganhador do Oscar) e direção de arte, têm fineza assombrosa... Resta saber se o diretor fará a trilogia da obra, contando os últimos anos do governo Elizabeteano. Deveria.