Conversa de cinema (publicado originalmente em 17/4/2008)
“Você é frio”, taxou-me. “Meu problema é gostar dos filmes bons”, retruquei. “Não entendo o motivo da sua preferência a ‘Onde os Fracos não Têm Vez’ ao ‘P.S.: Eu te Amo’”, continuou. “Esta comparação nem pode ser feita. ‘P.S.: Eu te Amo’ é nota seis”, respondi. “Adoro ver filmes com as cenas de amor, romantismo, aquelas que me causam inspirações”, seguiu ela, sem desistir. “Porém, você aprovou ‘Sweeney Todd’, não foi?”, indaguei, provocativo. “Sim, mas como pode dar só seis ao ‘P.S.: Eu te Amo’? É muito insensível!”, tangenciou, protegendo-se. “Cada um avalia como quer. E a fita do Gerard Butler é fraca, fazer o quê? A história até se esforça para ser notada. Ela não consegue mesmo”, devolvi. “E ainda dá dez para ‘Onde os Fracos não Têm Vez’. Entender você e as opiniões que tem é difícil. O filme é cheio de violência. Ou melhor, só tem violência”, rebateu ela. “Cheio de violência igual ao ‘Sweeney Todd’”, segui, resistindo. “Sei, gostei da fita do Johnny Depp. Mas nela há seqüências de algum sentimento. Ele perde a esposa, não sabe da filha. ‘Onde os Fracos não Têm Vez’ é tiro e morte sem motivo. Senti até enjôo”, retrucou. A conversa entre Silvia e eu iria longe...
Silvia, minha namorada, adora longas-metragens com um quê amoroso. Quer ver dramas com alta dose de compaixão, sensibilidade, provas de amor. Chorou em ‘P.S.: Eu te Amo’ (2007) como se ‘...E o Vento Levou’ (1939) e ‘Casablanca’ (1943) tivessem, por fim, encontrado seu irmão siamês. Ela sabe que não é bem assim. Na sua lista, o número um é ‘Cinema Paradiso’ (1988), por exemplo. Portanto, a mesma nota dada à fita do ano passado foi anotada para a obra italiana de duas décadas atrás. Entretanto, ama ‘Titanic’ (1997). Já ‘À Espera de um Milagre’ (1998), um filme praticamente sem reparos a fazer, está incluído no seu top five. Discutir cinema com ela é delicioso. Silvia também venera estes papos-cabeça. E é exatamente por isso sua insatisfação com a minha ‘frieza’. ‘Onde os Fracos não Têm Vez’ (2007), ganhador do Oscar de melhor filme em fevereiro, além de ainda levar o de diretor, ator coadjuvante para Javier Bardem e roteiro adaptado, é uma beleza em se tratando de boas atuações, condução da trama e cenários. Chega à beira do perfeito em determinados pontos. Na opinião dela, é bem brutal. ‘Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet’ (2007), nem tanto.
“E ‘O Som do Coração’ é bom?”, perguntei. “Claro! Dá emoção, passa uma sensação boa para a gente”, comentou. “Não gostei dele. Soou como piegas, cheio de clichês”, polemizei. “Imaginei. É impressionante... Tudo que digo ser de boa qualidade, você fala o contrário”, explicou. “Nada disso. ‘Eu sou a Lenda’ nós dois detestamos”, lembrei. “São raros esses nossos acordos”, complementou. “Concordamos de o Will Smith levar aquela história praticamente sozinho, e de que isto não tira as porcarias que a fita tem... Nisto também temos opiniões semelhantes”, julguei. “Sim. ‘Ratatouille’ e ‘Happy Feet’ a gente adorou”, recordou. “Viu? O gosto pode ser diferente, mas entramos em acordo em várias outras fitas. É normal”, interpretei. “Então, isto quer dizer que você poderia rever sua nota para ‘P.S.: Eu te Amo’?”, ela quis saber. “Não! Tem decisões que nunca são mudadas. Esta é uma”, aclarei, de bate-pronto. “Você não entende de cinema”, Silvia me disse. E abriu um sorriso daqueles inesquecíveis. “É”, falei. Cinema à parte, hoje é o aniversario dela. Assim, todas as linhas deste 17 de abril vão para Silvia. “Vamos alugar ‘Doce Novembro’?”, pediu. “Mas logo esse?”, respondi, rindo...