‘Z’ de ‘ele está vivo’ (publicado originalmente em 10/4/2008)
Em 1963, a Grécia passou por um momento político difícil. Gregorios Lambrakis, professor de Medicina, foi assassinado quando saía de uma manifestação de paz em praça pública. Eram tempos de alta efervecência, agasalhada pelo pano de fundo da Guerra Fria (1947-1989). Lambrakis, pouco a pouco, transformou-se em um símbolo do governo grego, seja para qual lado for. A investigação de sua morte acabou por revelar o esquema ordinário de escândalos, corrupção e ilegalidades na polícia e na administração daquele país, cujo Premier era o líder do partido de oposição. Quatro anos depois, em 1967, um golpe militar derrubou o governo da Grécia. Iniciava-se a ditadura, que duraria longos sete anos, acabando em 1974. O diretor grego Konstantinos Costa-Gavras aproveitou a toada destes meses duros para sua pátria para idealizar um longa-metragem acerca do assunto. Com o roteirista Jorge Semprún, baseado em livro de Vassilis Vassilikos, surgia ‘Z’ (1969), filme marcante para toda a geração revolucionária das décadas de 1960 e 1970. A fita, ganhadora de dois Oscars (melhor filme em língua estrangeira, edição), abalroou um período negro da história mundial. Pôs o dedo na ferida.
‘Z’ narrou praticamente a mesma trama de 1963, mas escamoteando nomes de pessoas. Tirou também a Grécia da jogada. Situou a aventura na França, na época com várias brigas de estudantes e policiais (o famoso 1968, quando jovens lutaram a partir da demissão de Henri Langlois, presidente da Cinemateca francesa –deste caos ‘nasceram’ para a arte figuras como Jean-Luc Godard e François Truffaut). O ator Yves Montand interpreta o deputado morto em meio a passeata contra o sistema de governo local: a ditadura. Daí em diante, acompanhados quase sempre pelo fotojornalista encarnado por Jacques Perrin, somos levados aos bastidores escabrosos dos submundos criminais dos colarinhos brancos. As patentes militares que subornam, corrompem, torturam e matam gente que queria apenas se mostrar para buscar uma nação mais justa e franca... Indicado ainda às categorias filme, direção a Costa-Gavras e roteiro adaptado, ‘Z’ jogou mais sal às disputas políticas pelo mundo. Este vivia em, talvez, seu instante mais conturbado, com o braço-de-ferro entre comunistas/socialistas e capitalistas selvagens, com EUA num canto, URSS no outro. Foram dias nos quais somente pensar era problema.
A fita em alguns pontos chega a ser intrigante. O vil plano dos militares de varrer para debaixo do tapete as confusões em que ele próprio se metera nos faz pensar nos Anos de Chumbo vividos no Brasil entre 1964 e 1985. Faz-nos recordar, por exemplo, do jornalista Vladimir Herzog. Ou então de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Pessoas míticas cujas batalhas para o bem do Brasil não foram em vão. ‘Z’ pinta este cenário na Europa. Sua qualidade impressionou não somente os membros da Academia de Artes Cinematográficas, organizadora do Oscar. Deixou boquiaberto o Globo de Ouro, prêmio na categoria filme estrangeiro, e o Festival de Cannes, com troféus do Júri (especial) e ator, para Jean-Louis Trintignant, que deu vida ao magistrado responsável pelo indiciamento dos tantos envolvidos... A película foi a primeira de idioma não-inglês a estar na lista de melhor filme. Após o feito, só o italiano ‘A Vida é Bela’ (1998) e o chinês ‘O Tigre e o Dragão’ (2000) conseguiram estar presentes no quesito. Entretanto, nada se compara a ousadia de Gavras. Igualou-se aos milicos de seu país: ‘escondeu’ nomes. Porém, ao benefício do público. Exibiu aos compatriotas os segredos gregos.