Piaf, com ardor (publicado originalmente em 3/4/2008)

Marion Cotillard mereceu levar para casa o Oscar de melhor atriz, apesar de ‘Piaf: Um Hino ao Amor’ (2007) ser uma fita arriscada. O rumo biográfico da cantora francesa Édith Giovanna Gassion no cinema passa por todas as fases da artista. Sua infância difícil, a doença que a deixou cega durante algum tempo, a permanência no bordel cuidado por sua avó, várias exposições nas ruas parisienses a troco de qualquer moeda, os shows em cabarés, os amores perdidos (o maior deles, que alterará para sempre a vida de Piaf, foi o boxeador Michel Cerdan, morto em acidente aéreo em 51), drogas das quais era dependente, como a morfina, o reumatismo e a morte precoce aos 47 anos. Todavia, o filme deixa escapar o fio da meada em diversos pontos. A insistência em ir e voltar no tempo pode, às vezes, ser recurso cabível. Em outros, como é o caso aqui, confunde os espectadores. As cenas são postas como simultâneas, entrecortadas com cenários de outras seqüências. Há determinados cortes nos quais não sabemos a época em que o longa-metragem está centrado. A edição de Richard Marizy é atrapalhada na tentativa de ser de vanguarda. A direção de Olivier Dahan contribui para este fato.

À exceção de Marion, o elenco não vibra tanto quanto deveria. A imperfeição fica visível com a participação do ator Gerard Depardieu. No papel de Louis Leplée, o descobridor de Piaf (foi dele a idéia de dar a Édith o sobrenome ‘Piaf’, que, em francês, significa pardal), o ator está apagado. Já era de se esperar, pois Depardieu pertence ao panteão dos ‘falsos-atores’, do qual fazem parte também os tipos como Eddie Murphy, Leslie Nilsen, Steve Martin, Arnaud Schwarzenegger, Silvester Stalone, Jackie Chan, Audrey Tautou, Cuba Gooding Júnior, Adam Sandler, Jim Carrey, Chuck Norris, Jean Claude Van Damme etc... Mas ‘Piaf: Um Hino ao Amor’ não é feito apenas de desastres. Não à toa, arrebatou ainda o Oscar de maquiagem. O rosto de Marion definitivamente se transforma no processo de confecção de Piaf. O trabalho demorava mais de cinco horas para ficar pronto. Dos recentes atores cujas interpretações de pessoas que existiram na vida real – Nicole Kidman, Forrest Whitaker, Philip Seymour Hoffman, Charlize Theron, Hellen Mirren, Jamie Foxx, Russel Crowe – recai em Marion a mais convincente, assombrosa. A atriz está perfeita nos trejeitos, expressões de dor ao cantar. Bravo!

Por trás das tragédias pessoais da cantora nascida em 1915, está aquela cuja amargura, desgosto e consternação esteve lado a lado com ela por toda a vida: a morte, aos dois anos, de Marcelle, a filha de Édith, causada por meningite. Mesmo com a fama, dinheiro, glória e estrelato, a cantora desistiu de tudo. O falecimento de Cerdan só veio a ratificar o fenecimento dela. Ficou reumática, a morfina era sua única aliada, e seu 1,42 metro de altura não resistiu às complicações da enfermidade. Em 10 de outubro deste ano serão completados 45 anos do desaparecimento de Piaf, aquela que cantava com força, sofreguidão. ‘Piaf: Um Hino ao Amor’ tentou mostrar esta emoção. Obteve êxito em partes. Os motivos citados aqui clareiam os porquês das derrapagens da película. Apontada no Oscar também em figurino, o filme possui a competência de dar a luz aos jovens de quem foi o mito da França nas décadas de 1940, 50 e 60. O fim da fita, com Marion cantando ‘Non, je ne regrette rien’ na derradeira apresentação da cantora, faz-nos tremer. É a digna performance que já está na história da sétima arte.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 09/09/2009
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