Bater as botas (publicado originalmente em 27/3/2008)
Depois de realizar seqüência de três filmes de boa qualidade –‘Harry & Sally: Feitos um para o Outro’(1989), ‘Louca Obsessão’ (1990) e ‘Questão de Honra’ (1992), os dois últimos com indicações ao Oscar de atriz (Kathy Bates, que levou a estatueta) e ator coadjuvante (Jack Nicholson perdeu para Gene Hackman de ‘Os Imperdoáveis’) – o diretor Rob Reiner caiu na teia das fitas com alguns maus presságios. Entre elas estão ‘A História de Nós Dois’ (1999) e ‘Dizem por aí’ (2005). Mas os ventos ruins sopraram para o outro lado ano passado... Bastou reunir os habilidosos Morgan Freeman e Jack Nicholson em ‘Antes de Partir’ (2007). Somam-se na conta os competentes atores coadjuvantes de apoio (Beverly Todd, de ‘Crash’ – 2005, e Sean Hayes, da série de TV ‘Will & Grace’) e um longa-metragem praticamente sem equívocos está pronto às telonas. O roteiro é simples: dois pacientes com câncer terminal têm a idéia de satisfazer vontades antes de ‘baterem as botas’ (o nome original, ‘The Bucket List’, quer dizer ‘A Lista das Botas’, ou seja, o que você gostaria de fazer antes de morrer).
Nicholson é Edward Cole, bilionário dono de uma rede de hospitais. Freeman dá vida a Carter Chambers, mecânico com cultura de almanaque que teria sido um ótimo professor de História. Eles são internados exatamente no mesmo quarto com a mesma doença. Chambers esboça, envergonhado, a lista dos afazeres pré-falecimento. Quando Cole lê seu conteúdo, decide patrocinar as aventuras de ambos. Iniciam-se então a série de viagens, perigos (saltos de pára-quedas e corridas de automóveis) e emoções. Cole não visita sua filha há anos. Chambers não sabe o que é se divertir desde quando se casou. Tornam-se amigos. Esquecem momentaneamente os problemas e partem às brincadeiras. Mas a enfermidade é o carrasco deles. ‘Antes de Partir’ começa com o personagem de Freeman avisando os espectadores que o de Nicholson se foi ‘em maio’. Após isto, o drama é contado como um círculo. Ao se completar a circunferência, Chambers retorna às lembranças. Neste ponto do filme, já vemos o sepultamento da dupla de senhores. A fita gira em torno dos dois atores. Não poderia ser diferente.
Reiner, porém, se perdeu um pouco no excesso de clichês. Talvez se a película tivesse retirado estes maniqueísmos a solução seria mais afetiva. O Edward Cole lembra rasamente Warren Schmidt de ‘As Confissões de Schmidt’ (2002), que valeu a Nicholson outra indicação de melhor ator. O ator, ao entrar o rol da terceira idade, não consegue mais passar igual teor dramático de outrora. Tanto no filme de seis anos atrás como no de 2007, ele, ultimamente, se dá melhor como vilão, por exemplo, em ‘Os Infiltrados’ (2006), ou como personagens escatológicos e cômico-românticos (‘Alguém tem que Ceder’, ‘Tratamento de Choque’, os dois de 2003). Freeman, neste ponto, se comporta com mais intensidade. É só vê-lo em ‘Menina de Ouro’ (2004, conquistou Oscar de coadjuvante) e ‘Um Sonho de Liberdade’ (1994). No princípio deste texto, afirmei categoricamente acerca da boa qualidade de ‘Antes de Partir’. Porque não recebeu indicações prêmios? A resposta é direta e objetiva: trata-se de trabalho absolutamente comercial, sem compromisso ou responsabilidade. Enfim, para eles próprios.