Algum Kubrick (publicado originalmente em 14/2/2008)
Os primeiros minutos de ‘Stanley Kubrick: Imagens de uma Vida’ (2001) dão as cartas sobre o ritmo alucinante dos filmes do diretor: música clássica misturada a trechos de suas obras. Morto em 1999, aos 70 anos, o nova-iorquino fundou todos seus próprios malabarismos com longas-metragens que, sem dúvidas, marcaram definitivamente o tal ‘cinema moderno de ficção’. Recluso, introvertido e avesso aos balangandãs das grandes estrelas da sétima arte, Kubrick era o oposto quando pisava nos sets de filmagem. A fera bradava em tom baixo. Fixou-se como um dos cinco melhores do mundo.
O homem calmo e receptivo dava vez ao ser muito exigente e superperfeccionista, que chegava a realizar a mesma seqüência mais de 100 vezes se fosse preciso. Exemplo: expôs 390 mil metros de película (mais da metade da distância entre Rio de Janeiro e São Paulo) para filme com 142 minutos de duração (2.800 metros em ‘O Iluminado’, de 1980)... Utilizou menos de 1% do material filmado, realizando média de 102 takes por plano, enquanto que a média normal é dez takes por plano. A atriz Shelley Duvall foi uma das vítimas no famoso longa de terror. O diretor exigiu que ela repetisse 127 vezes a determinada seqüência. O contato de ambos era movido a altíssima eletricidade, respeito. No documentário de 2001, Shelley comentou sua relação ‘amistosa’ com Kubrick: “Foi bom, mas não gostaria de repetir a dose.” Já Jack Nicholson, protagonista, rebate: “Dizer que ele é o cara é pouco.”
Em quase meio século de carreira, Kubrick esteve à frente de somente 15 roteiros. E todos eles foram reconhecidos como, no mínimo, ousados. Basta lembrarmos de ‘Lolita’ (1962), ‘2001 – Uma Odisséia no Espaço’ (1968), ‘Laranja Mecânica’ (1971), ‘Nascido para Matar’ (1987) e ‘Spartacus’ (1960). O grau de comprometimento dele para com as histórias era violento. Não beirava a obsessão, encarava-a face a face e a cumprimentava. Tinha respeito pelas barbas ferozes do diretor (in) quieto.
O limite humano era o desafio enfrentado por ele em cada novo trabalho. Havia algo lutar e a combater. A raiva pelo nada o dominava. E S. Kubrick queria sempre mais. Era o avesso de Glauber Rocha, porém com igual veemência ao desejar o óbvio: o perfeito. “Pensavam que era homossexual quando menino, pois carregava livros com ele, não brincava nem conversava”, diz a irmã. Ele pouco se importava. Estava direcionado à sua meta: tirar fotografias, fazer cinema. Se foi, mas felizmente a biografia profissional ficou, a do realizador ferozmente manso. “Saber o que se quer” era sua chave.