As rosas do Velho (publicado originalmente em 13/12/2007)
Ao beijar o piso frio da Alemanha na noite cálida de 9 de novembro de 1989, o Muro de Berlim deixava, por fim, o enorme buraco do comunismo fechado. O chamado ‘Muro da Vergonha’ havia, 28 anos antes, sido levantado para mostrar ao mundo que uma das nações mais nobres do século 20, a Alemanha, estava dividida. De um lado, os capitalistas endinheirados com garrafas de Coca-Cola à venda. Do outro, comunistas pobretões, cujos conhecimentos modernos se resumiam a reedições da obra completa de Karl Marx. Não tão perto dali, como outra prova de que a bandeira vermelha estava quase completamente rasgada, a União Soviética agonizava, solitária. O interesse em preservar tanta história ia pelo ralo, literalmente. Com oceanos de separação, no Brasil, um homem de 91 anos lia as notícias embasbacado. Sete décadas antes, ele começara a brava, mas inconsistente, batalha contra o ‘imundo’ capital. De 1922 até 7 de março de 1990, quando morreu, o ‘Cavaleiro da Esperança’, seu codinome, ainda conseguia aspirar que o planeta mudasse a rota, e todos repartiriam as vontades. A graça deste dom Quixote da vida real, que por pouco não atingiu o objetivo, era Luís Carlos Prestes.
Em 1997, meses antes da comemoração do centenário do político, o diretor Toni Venturi reuniu a trajetória deste super-herói do Partido Comunista do Brasil e lançou o documentário “O Velho – A História de Luís Carlos Prestes”. Com narração do ator Paulo José, o filme retrata, passo a passo, as aventuras e decepções de um homem predestinado a defender ideais vermelhos pelos quatro cantos da Terra. Separado em capítulos, como, por exemplo, ‘A Sombra’, ‘A Maturidade’ etc, o longa conta como L. Prestes conseguiu manifestar o desejo de um país, ou quem sabe, um mundo voltado à causa comunista, aonde ninguém seria dono, e todos compartilhariam tudo. O roteiro abrange praticamente a biografia inteira dele. Desde a formação na Escola Militar do Rio de Janeiro, em 1919, até o apoio a Leonel Brizola, do PDT, na campanha presidencial de 1989 (no segundo turno, ele ficou ao lado de Lula), passando pelas estradas percorridas na tão aclamada ‘Coluna Prestes’, que, nos anos 1920, andou milhares de quilômetros em solos brasileiros durante cerca de dois anos e terminou na Bolívia. Claro, expõe também relacionamento com Olga Benário, espiã alemã-judia morta pelos nazistas.
E é neste setor que “O Velho” deixa a desejar. Não por culpa de Venturi, mas mais pela família de Olga. Os parentes e principalmente a filha gerada pelo casal, Anita Leocádia (ela não conheceu a mãe e encontrou Prestes aos 12 anos de idade – no período, foi cuidada pela avó paterna, Leocádia), discordaram em dar depoimentos sobre ele. ‘Somente minha mãe poderia contar esta história’, teria dito Anita a Venturi. Mesmo assim, a fita possui pontos importantes e curiosos. O escritor Fernando Morais, autor do livro ‘Olga’, revelou uma de suas conversas com o Cavaleiro acerca de Olga. ‘Ela foi a mulher que mais amei’, disse Prestes a Morais. E mais: ‘Ela foi minha primeira mulher.’ Sem querer, ou por estas coincidências, Morais descobriu que o comunista tivera a relação sexual número um somente aos 37 anos, com Olga. Uma entrevista de Prestes gravada em 1985, onde ele conta seus 70 anos na atividade política serviu de base ao diretor do documentário. Por meio dela é que o filme se monta. Sem se emocionar em qualquer instante neste vídeo, Prestes se modifica ao abordar o tema Olga. Os olhos daquele senhor de 87 anos marejam ao lembrar da morte dela, aos 34 anos, em 1942.
A ordem para enviar sua esposa (eles casaram em 1935) aos nazistas foi dada pelo presidente Getúlio Vargas (1930-1945). Ela foi levada à câmara de gás em Bernburg no dia 23 de abril. Mas a surpresa maior é a parceria de Luís Prestes com o algoz anos depois, ao subir no mesmo palanque de Vargas para ajudar a, vejam só, combater as tropas de Adolf Hitler. ‘Ele não misturava política com nada’, explica um dos entrevistados de “O Velho”. Outra faceta ampliada na película é a apreciação de Prestes por plantas e flores. Em cada casa que morava, e foram muitas, dedicava parte do tempo a cultivar rosas. Ia ao quintal e cavava e plantava... Maria, a segunda e última esposa (casaram-se em 1947), foi quem revelou este lado jardineiro do Velho (ela o chamou assim nos 43 anos em que estiveram juntos). Estes detalhes coloridos do Cavaleiro tem relevância na fita, em cada passagem de bloco. O espectador tem a oportunidade de ver os oito filhos de Prestes e Maria e o tratamento dele com os herdeiros. ‘Ele foi um pai bem ausente, mas a gente sabia o por quê disso’, afirma um deles. O filme é prato cheio para os fãs de História, com qualidade excelente, textos bem escritos. “O Velho” dá destaque sublime para as três maiores paixões de Prestes: rosas, o comunismo e Olga. O trio com respectivos espinhos, mas cujas aparências encantaram o eterno Cavaleiro da Esperança.