Não é consolação (publicado originalmente em 29/11/2007)
O Canal Brasil, em parceria com cineasta Zelito Vianna, realizaram o justo, merecido. Alguns meses atrás, com auxílio do extenso arquivo da Rede Globo, desenvolveram o documentário “Chico Anysio É” (2007), de 60 minutos. O filme é ele todo uma conversa informal de Vianna com o irmão Chico. “Já tá gravando, Zé?”, pergunta o humorista, escritor, ator, roteirista, pintor, comentarista de futebol, compositor. As profissões são citadas por ‘Zé’ para que o tal papo se inicie. Daí para frente, a sucessão de imagens dos mais de 200 personagens de Chico se unem ao depoimento emocionando e consternado do artista cearense de 76 anos. Os causos hilários se prendem às lembranças daquele mundo que não existe mais. Em 2005, a coluna Coisas de Cinema deu espaço ao descaso aplicado pela emissora carioca em relação ao trabalho deste autêntico showman brasileiro. Nestes pouco mais de dois anos, a situação permanece igual. Em “Chico Anysio É” (ainda não lançado em DVD), o ator principal não se deixa intimidar ao recordar que é sim um dos mais capacitados homens da televisão.
Não apenas da televisão. “A cena da morte de Zé Esteves em ‘Tieta’ fiz duas vezes porque eu quis, a primeira já havia ficado excelente”, contou, sobre fita de 1996 em que contracenou com Sônia Braga e Marília Pêra. “Sou um dos melhores profissionais para se trabalhar. Chego na hora, com todo o texto decorado. Fico quieto no canto até hora de filmar”, continuou. “As pessoas não me convidam para filmes porque acham que, mesmo antes de pensar no convite, eu não aceitarei. E não é verdade. Zé, você sabe que não digo não para ninguém”, prosseguiu. O irmão, ao lado, concordou. Entre estas frases, takes de Alberto Roberto, Bexiga, Azambuja e Popó aparecem, para fazerem os fãs de Chico relembrarem programas como Chico Anysio Show, Chico City e Chico Total. O professor Raimundo vem à tona. “Lancei muitos com o professor. Foi o primeiro que fiz na TV”, endeusou-se. Logo no começo da fita, um monólogo de se ir às lágrimas. Aconteceu em 1986, num show. Chico escreveu o poema sobre comediantes do país. Lindo! Não se pode negar o talento dele. É demais inquestionável.
No teatro, são mais de 10 mil apresentações. Recorde praticamente inalcançável. Na época da ditadura militar não era bem assim. “Ficávamos eu e uns quatro censores, de braços cruzados. Eles me olhando lá... Era de morrer”, narrou Chico, quando, a cada novo show, era obrigado a passar em Brasília para se exibir à turma dos milicos. “Muitas coisas consegui evitar o corte. Mas outras, nem a tentativa de explicar dava”, detalhou. Nem tudo, porém, são melancolias. Em 2008, completará seus 40 anos de Globo, 61 de carreira... Pode-se afirmar ser o processo de roteiro em Hollywood o único senão da trajetória dele. Enviou à capital do cinema várias histórias. Nada se concretizou. Enfadonho, gordo, doente dos pulmões e algemado ao ostracismo, a carreira de Chico ganhou uma respiração no mês passado. Estas quatro décadas globais renderam-lhe o DVD “Chico Especial”, com dois discos recheados de quadros, aberturas de programas e depoimentos. Agora é assim: ver Chico Anysio, só em arquivo. Triste fim para um artista de seu quilate. Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho.