Primeira Pessoa do Plural (publicado originalmente em 27/9/2007)
A frase de Glauber Rocha ‘uma câmera na mão, uma idéia na cabeça’ está batida. Virou clichê, aliás. Tudo que é cineasta, repórter, crítico tem aquelas palavras na ponta da saliva. Mas, para não se importar com isso, ela encaixa perfeitamente no projeto escolar Primeira Pessoa no Plural, daqui de Jacareí, organizado pela escola Rezende Rezende no primeiro semestre do ano. Os professores Fábio Monteiro e Cláudia Bassi se responsabilizaram por levar às cabeças dos alunos da classe do terceiro ano do ensino médio a parábola do cinema mundial: ‘encontrem pessoas, vejam se elas têm algo para contar’. Produziram três curtas-metragens. De antemão, sequer levei em consideração qualidade das imagens, sons. Atentei-me ao trivial. O resultado merece reverência e louvores. O aplauso simples...
“Jacareí Migrando para uma Vida Melhor” escancara a vida antimarasmo dos jacareienses. Os que praticam natação, tai chi chuan e até le parkour, dedicado a pular sobre obstáculos naturais, como muros, paredes. No “RE-ciclo da Vida”, os alunos se debruçaram no cotidiano do meio ambiente: os catadores de materiais recicláveis. Bem apanhado, apesar de não existirem imagens em movimento, somente fotografias e entrevistas sonoras, o curta exibe lições de perseverança e insistência para se fazer o que é certo. Um dos abordados declara: “Pensam que a gente é mendigo. Mas a gente não é.” Em carro limpo, lê-se ‘Meu trabalho é fruto do seu descaso’. Na surpresa, um senhor e um garoto de 14 anos trabalharam juntos, mas o menino não pode faltar às aulas. “Não deixo. Puxo a orelha dele”, diz o catador, marcando terreno. O aprendiz escuta, sereno. Lembram-se do trivial? Pois é, está aqui.
“Dando a Voz a Quem não tem Vez” é o mais ousado e emocionante do trio. Nas madrugadas de Jacareí, o tema ‘morador de rua’ é colocado à prova sob os olhares da câmera de outra turma. Nos ventos que sopram às quatro da manhã, pessoas sem casa, família, mas com a vontade de sobreviver, são chamadas a papear. E aceitam... Com um deles, o filme começa e termina. Os seus depoimentos são marcantes. Conta acerca da recente separação (‘Queria só falar com ela, que me ouvisse, e, se me botasse para fora de casa, conheceria Brasil inteiro a pé’). As histórias pipocam. O cinema estava lá. Da turma terceiranista, seguirão carreira artística alguns. Ou nenhum. Os filmetes serviram à Oficina de Cinema. O mérito é elogiável. Parabéns. Glauber Rocha se orgulharia demais de todos vocês.