Apostas certas (publicado originalmente em 5/9/2007)
É até chato. Parece que os produtores não têm escolhas diferentes. São pouco criativos. Vendo “O Último Rei da Escócia” (2006), onde o ator Forest Whitaker encarna o ditador africano Idi Amin, fiquei com a impressão de já ter visto este filme antes. Não a fita propriamente dita, mas sua situação. Levar aos ecrãs personagens reais se tornou uma espécie de muleta bem servida. E o longa-metragem nada tem de canastrão. Pelo contrário, trata-se de produção requintada, rodada em terras ugandenses e recheada de boas interpretações. Mas fica aquela sensação. Claro, Whitaker arrebatou de maneira merecida o Oscar de melhor ator. E fica precisamente aí esta minha pulga atrás da orelha. Será isto a aposta certeira dos profissionais da sétima arte? Vejamos. Há exemplos aos borbotões. Recordam-se de Nicole Kidman com aquele nariz torto em “As Horas” (2002)? Pois é. A atriz deu vida a Virginia Woolf, escritora que viveu entre 1882 e 1941. Levou estatueta na festa da Academia do ano seguinte.
O que dizer, então, de Philip Seymour Hoffman e Jamie Foxx? O primeiro se destacou como o jornalista Truman Capote, o inventor do chamado ‘novo jornalismo’. O filme: “Capote” (2005). Que tal o resultado: Oscar de ator para Hoffman. Já Foxx se transformou em Ray Charles em “Ray”, de 2004. E ele também saiu vencedor com a mini-estátua. Reparem: nestes dois anos, os não-ganhadores eram, a maioria, travestidos de pessoas que existiram. Havia Joaquin Phoenix como o cantor Johnny Cash (“Johnny & June”), David Strathain como apresentador Edward Murrow (de “Boa Noite e Boa Sorte”), que nos anos 1950 combateu forte e veementemente o macarthismo, Leonardo Dicaprio foi Howard Hughes, o apaixonado por aviões (“O Aviador”), o camaleão Johnny Deep viveu o escritor James Matthew Barrie (o autor de Peter Pan – “Em Busca da Terra do Nunca”) e Don Cheadle esteve na pele de Paul Rusesabagina, um corajoso que protegeu várias famílias na África (“Hotel Ruanda”).
Tudo isso apenas em duas temporadas. A ‘artimanha’ vem de longe. Gandhi ficou perfeito com o ator Bem Kingsley em 1982. Oscar a ele. Há algumas semanas, escrevi aqui sobre Robert DeNiro e seu Jake LaMotta em “Touro Indomável” (1980). Oscar idem. Gene Hackman como detetive Jimmy 'Popeye' Doyle (“Operação França”, de 1971) estava impecável. Oscar de novo. F. Murray Abraham fez o público o temer como o invejoso Salieri em “Amadeus” (1984). Adivinhem? Oscar. Todos aqui tinham papéis cujas histórias foram verídicas. Enfim, são dezenas. George C. Scott, o general George Patton Junior de “Patton” (1970), Hellen Mirren foi Elizabeth II em “A Rainha” (2006), a bela atriz Charlize Theron enfeiou-se para fazer a serial killer Aileen no fabuloso “Monster” (2003)... Até Julia Roberts entrou nessa. Em 2000, levou a estatueta pelo seu trabalho em “Erin Broncovich”. De volta a “O Aviador”, temos Cate Blanchett fantasiada de Katherine Hepburn. É o trunfo certeiro e obtuso...
Evidentemente, ver-se retratado na enorme telona do cinema deve ser um privilégio ímpar. Em 2001, o matemático esquizofrênico John Nash assistiu Russel Crowe lhe dar movimentos e frases no inesquecível “Uma Mente Brilhante”. E Nash estava na cerimônia do Oscar, quando Crowe, como já se imaginava, recebeu o maior prêmio do cinema. Aqui, cabe o registro: será que faltam criadores de histórias ou é mais fácil pegar uma pronta, dar a ajeitada específica e esperar pela noite no Kodak, no tapete vermelho? É preguiça ou talento cada vez mais raro? Pensar sobre o assunto não faria mal. A abundância de ‘casos reais’ enjoou. Não pela ausência de qualidade nas superproduções. É, deveras, pela falta de roteiro consistente, que seja a maioria. Meu desejo neste espaço não é exagerar. Estou a longos quilômetros disso. O problema maior é que pegar a vida de alguém e transportá-la às salas se transformou em vício. Borbulham títulos! Vocês viram meus exemplos. Há de ter mais robustez nos escritos. Se bem que os grandes de Hollywood adoram ser lambidos com os Oscars. Sendo assim...