Celine e Jesse (publicado originalmente em 29/8/2007)
Foram dois filmes no intervalo de nove anos. Os atores puderam envelhecer naturalmente, com rugas e marcas do tempo que apenas o próprio tempo poderia fixar. Assim se fizeram os personagens Celine (Julie Delpy) e Jesse (Ethan Hawke). Ela, em 1995, tinha pouco mais de 20 anos. Francesa e cheia de ideais naturalistas e ecológicos, estava no trem que vinha de Budapeste, pararia em Viena e seguiria para Paris. Visitava a avó, doente, na capital húngara. Ele, no mesmo 1995, também com os 20 e poucos anos, viajava de Viena para os Estados Unidos. Por acaso, estava no vagão de Celine. A dupla se conheceu quando um outro casal brigava perto dele. E começaram a papear. A intimidade se fez maior a cada palavra trocada. As confidências se multiplicavam entre eles. A amizade surgiu na primeira olhada cruzada. Em “Antes do Amanhecer”, Delpy e Hawke fizeram da conversa, singelas frases, uma história de amor inesquecível. Ambos sabiam que o futuro era promissor, porém, curto.
Jesse embarcaria rumo aos EUA na manhã seguinte. Celine estaria na Cidade Luz assim que o sol bocejasse. O diretor da fita, Richard Linklater, teve pouco trabalho. Eram somente os dois atores e mais os apêndices. A trama e o roteiro contavam meramente com os diálogos dos dois personagens. Bastava indicar posições, tons de voz e fim. A tarefa ficaria com os intérpretes. E o filme flui com a ternura dos bons romances. Um questiona outro sobre religião. O outro aplica ao um perguntas sobre a infância, a essência do ser humano. Enfim, chega a hora da partida. Prometem se encontrar em seis meses, no mesmo local. E o longa-metragem termina. Lindamente. Sublime é a forma da condução por parte de Linklater. Esmera-se na busca do simples, trivial, frugal. E consegue. Tal qual a doce e sensível Sofia Coppola fez com “Encontros e Desencontros” (2004). O ‘nada’ aparente é o ‘tudo’ por detrás das perseverantes palavras. “Antes do Amanhecer” não poderia acabar ali. Claro, não acabou.
Esperou-se nove anos até que o diretor reuniu de novo Delpy (de “Um Lobisomem Americano em Paris”, de 1997) e Hawke (o aprendiz de Denzel Washington em “Dia de Treinamento”, 2001). A fita “Antes do Pôr-do-Sol” (2004) dá várias sugestões para o desfecho do casal Celine e Jesse. Ela é agora, aos 32 anos, uma profissional de proteção ao meio ambiente. Ele, praticamente na idade igual, é um escritor famoso, que dá palestras e participa de debates quando é convidado. Sabemos sobre os fatos de 1995. Ela não foi ao encontro porque sua avó morrera no dia. Ele não a esquecera, mas havia se casado e se tornara pai – a criança estava com quatro anos. Na volta, desculpas, arrependimentos, dúvidas, frustrações e mais algumas tantas horas até Jesse pegar o avião, mais uma vez, para os EUA. Tudo ou nada a partir de agora. Não têm mais o tempo a favor deles. A vida corre e eles necessitam de uma conclusão para o amor. Eles se amam, isto é certo. Mas o que fazer com este amor enorme?
“Antes do Pôr-do-Sol” não explica como a situação deles se fechou. Entretanto, se esquecer da magia que aquilo se tornou é pedir pouco. A sensação estranha de ‘você aqui’, como se quisessem se afastar, é contrabalançada pelos seus rostos. Delpy e Hawke se entregaram verdadeiramente a estes dois projetos. O longa que mira na não-banalidade. Não se toma refém dos efeitos especiais. O que vale é a pessoa e quanto ela tem a dizer. O contato físico. Linklater conseguiu impor ao espectador o sentimento de perda. Os minutos passam e sabemos que eles se separarão. Porquê não podem ficar os dois juntos, nós perguntamos. Aí que reside a grandeza dos dois filmes. São espetacularmente belas as cenas e fotografias das películas. Viena e Paris mostrados de ângulos apaixonados. Desejamos ir e vir daqueles cenários. Percorrer os caminhos de Celine e Jesse. Termos esta inspiração. Um casal que se fez eterno. E o público não sabe como ele está. A sétima arte se encarrega de dar a eles o destino.