O cinema do público (publicado originalmente em 15/8/2007)

Em 1878, José Maria Eça de Queirós, um gajo com pouco mais de 30 anos, bolou e escreveu “O Primo Basílio”. Ambientada em Lisboa, perto de Porto, seu Estado natal, a história exibe Luísa, o marido, Jorge, e o Basílio do título, primo da rapariga. Quando o esposo viaja a trabalho, Luísa e seu parente se encontram, às escondidas, e mantêm tórrido e libidinoso romance no “Paraíso”, local dos beijos, abraços e algo a mais do par. Todavia, nada é para sempre. Juliana, empregada atrevida e um tanto cansada de Luísa, furta os bilhetes trocados entre o casal adúltero. Não demora para chantagear a patroa. Em contrapartida, a doméstica deseja ansiosamente sua aposentadoria. Assim, a sinhazinha se veria livre das bravatas e arrolhadas da serviçal. Juliana é morta acidentalmente (ou não?) e, para alegria furtiva de Luísa, Jorge nunca saberá de sua aventura extraconjugal. Mas nada é como outrora se imagina. A jovem adoece, o marido descobre a verdade enquanto isso, e Basílio assiste a óperas.

Toda essa parafernália, imaginem, o diretor setentão Daniel filho transpôs para a São Paulo de 1958. Jorge é Reynaldo Gianecchini. Pobre Gianecchini e o eterno sotaque caipira que insiste em lhe colar na fala. É impressionante sua atuação. Claro, pela fraqueza desta. Luísa quem faz é uma Débora Falabella retraída demais, talvez por Filho e sua direção atabalhoada, que parece ter sido às pressas. Basílio é emprestado a Fábio Assunção. Ele parece em outro trabalho de televisão. Pouco muda em relação à telona. A fita também o impele a agir assim. Juliana brilha pela atuação de Glória Pires. A composição da personagem exigiu bastante dela. Dentadura, maquiagem carregada, enfim, processo de enfeiamento feito sob medida. Seu modo de andar, arrastando os chinelos, fez-me, ao ver “Primo Basílio”, que estreou sexta-feira no país, lembrar de Bette Davis em “O que terá acontecido a Babe Jane?” (1962). A caracterização de Glória é impecável, bem igual a ela, com seus louros do talento.

O longa, porém, faz seu roteiro escapulir em alguns instantes. Ele é ágil. Ágil até em demasia. As seqüências passam como se fossem comerciais de 30 segundos, nos quais os atores têm de dar o recado e fugir dali. É o estilo Daniel Filho de filmar. De 2001 para cá, conta no currículo com três (o filme atualmente em cartaz é certamente o quarto) sucessos quase consecutivos: “A Partilha” (2001), “A Dona da História” (2004) e “Se eu Fosse Você” (2006). Sem exceção, o quarteto contempla suas formas ‘televisivas’ de fazer cinema. Closes, diálogos rápidos e mau acabamento. Este drama ‘paixão à paulista’ está mais para um tutu do que para um virado bem preparado. Filho recentemente afirmou dirigir e produzir histórias (entre elas “Carandiru”, de 2003) para o público, querendo a renda no topo da lista da empresa de divulgação da obra. Entretanto, relevam-se estas questões em favor de Glória. A atriz esbanja competência. “Primo Basílio” reluz, sublinho sem medo, porque ela domina a cena.

Na película, as participações especiais de Guilherme Fontes, Anselmo Vasconcelos, Gracindo Júnior e Simone Spoladore são, de certa maneira, aplicadas. No restante, termos usados pelo diretor para a adaptação – construção de Brasília, a efervescência cultural da paulicéia desvairada etc – estão aqui em plano menor. As maiorias das produções do cinema nacional ocupam hoje este plano menor. Isto vem há décadas. A sétima arte é transformada em lucro sem importar com seu público. Qualquer roteiro fajuto, sabe-se, os espectadores se empolgarão em comprar ingressos. São pouquíssimas obras com requintes. Estão escondidas em salas de cinema escondidas. Ao invés de 300 salas para “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” (2006), têm 550 para “Xuxa Gêmeas”. Seguimos a cretinização das pessoas pela da arte. O cinema, aí estendo ao mundo inteiro, precisa se reciclar. Que ressuscitem Nouvelle Vague, Cinema Novo, Neo-Realismo Italiano etc. É, eu sei... Estou pedindo muito. De fato.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 26/08/2009
Código do texto: T1776468
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.