Dois dias e uma noite (publicado originalmente em 18/7/2007)
Esta coluna escreveu sobre os filmes ‘entre fases’ do ator Jack Nicholson na década de 1990 (1992 a 1997). Hoje, Coisas de Cinema se incrustará em “A Pequena Loja dos Horrores” (1960). Longa-metragem dificílimo de se encontrar em magazines especializados, quase nunca exibido nas emissoras abertas de televisão, a fita foi a segunda da carreira de Nicholson. Antes dela, ele havia trabalhado em “O Choro do Assassino do Bebê” (1958). Estreou como protagonista. Encarnou Jimmy Wallace, seu primeiro ‘psicopata’. “A Pequena Loja dos Horrores” foi dirigido por Roger Corman, famoso pelas filmagens rápidas e econômicas (no papel de Wallace, Nicholson ficou contratado para sete dias – o gasto total do filme foi de singelos sete mil dólares) e argumentos cujo paladar azedo para críticos. Corman adorava mesmo trabalhar com o cinema em si. Não se importava com a duração deles. Queria e gostava, de fato, de contar histórias. Sejam elas boas, ruins, malucas.
Para “A Pequena...”, Corman não demorou a procurar Jack Nicholson. Sabia que o ator estava no início da carreira, aceitaria interpretar por qualquer cachê. Além do mais, o rosto perverso daquele ator de 23 anos o impressionara deveras menos de dois anos antes, ao dar vida ao frio matador de “O Choro...”. Mas o papel agora não seria o principal. Era somente participação. Seria Wilbur Force, um paciente masoquista que vai a um consultório de dentista pedir para que lhe arranquem alguns dentes. O personagem louco entusiasmou Nicholson, segundo o escritor Philippe Duran no livro sobre o ator, de 1990. Assim sendo, o ofício estava cruel. Force serviu para pano de fundo de um roteiro que quis e conseguiu misturar terror com risada. É bom lembrar a total separação entre o papel de Nicholson com a idéia central de Roger Corman no script. A trama se baseia numa planta carnívora que cresce à medida que se alimenta de humanos. Ela pára na loja quase falida de Gravis Mushnik (Mel Welles).
No estabelecimento, os tipos apresentados são bizarros: a senhora que encomenda flores para seus conhecidos diariamente mortos, o galã apreciador de flores comestíveis, as teenage girls muito sincronizadas para falar, a provocante Audrey (ajudante da loja), Seymour Krelboin (Jonathan Haze), o desajeitado dono da tal planta esquisita. A cada pôr-do-sol, Seymour leva, de uma forma curiosa, os alimentos que a planta tanto precisa. Dia a dia, ela se torna conhecida e atrai público e dinheiro à loja de Mushnik. Porém, dois detetives pitorescos, carregados de trejeitos propositais (Corman dá o exagero como crítica ao cinema sério), entram para investigar mortes ocorridas nas redondezas, como a do dentista sádico Phoebus Farb (John Herman Shaner). O absurdo domina o final da fita. Contar aqui perderia a graça. Nos escritos de Duran, o longa “não teve sucesso algum desde sua estréia, mas foi redescoberto por estudantes americanos e transformado em filme cult”. Tempo, o senhor da razão.
O curioso desta peça cinematográfica é exatamente escavar o máximo possível de dados sobre ela. Roger Corman filmou “A Pequena Loja dos Horrores” em parcos dois dias e uma noite. Foi isso: dois dias e uma noite. Jack Nicholson, aos 23 anos, atuou em cinco dos 71 minutos do filme. Rudes 71 minutos. Essa era a média das obras do diretor. Neste ror, ter mente aberta era necessário. Quem se importaria com planta que come gente? Ainda mais: quem se arriscava a palpitar se o vegetal se pusesse a falar que estava com fome, queria carne? Corman e sua turma desejavam entreter o público como podia, com os recursos possíveis. As 48 horas de realização do longa-metragem foram muito bem aproveitadas. Cada segundo, cada dólar investido. Com “A Pequena Loja dos Horrores”, o então novato Jack Nicholson avançava lentamente em sua carreira. Pulando de galho em galho, ou set para set, regava aos poucos a trajetória. Num estalar de dedos, foi a estrela ascendente em Hollywood. No fim da década de 1960, se tornou um ator bastante conhecido nos Estados Unidos. Era seu touché.