Entre fases (publicado originalmente em 4/7/2007)
Depois de ganhar milhões de dólares por interpretar o Coringa no excelente “Batman” (1989), de Tim Burton, Jack Nicholson testou a carreira em projetos, digamos assim, diferentes. São algumas fitas que poucos fãs do ator conhecem, como, por exemplo, os discutíveis “Lobo” (1994), “Regado a Sangue e Vinho” (1996), “Acerto Final” (1995), “Hoffa” e “Cão de Guarda” (ambos de 1992). Eram trabalhos que fez para ajudar amigos seus, como o ator Sean Penn (que quis se aventurar na direção e roteiro de “Regado...”) e o diretor Bob Rafelson, com quem fez amizade no começo da carreira, nos anos 1950. Rafelson, sublinhe-se de passagem, é um personagem obscuro no mundo do cinema. Seus longas-metragens ocupam a zona baixa da sétima arte. Dele, há os médios, os ruins e os piores. Mas o amigo Nicholson resolveu lhe dar uma mão. Já havia tentado sustentar Rafelson no razoável “Cada um Vive como Quer” (1970), que rendeu ao ator indicação ao Oscar, além da própria fita figurar nas cinco melhores obras do ano. Neste hiato de 22 anos, “Cão de Guarda” resultou em um trabalho mais caprichado, mas nem por isso tão glorificante assim. É uma história tola, porém Nicholson resolve a situação com o talento habitual. Rafelson se segurou à sua maneira: deixou-se embalar pelos outros.
Nicholson é Harry Bliss, proprietário de uma micro-empresa de adestramento e aluguel de cães de guarda. Falido, com o casamento jogado às ruínas (ele vai ao terapeuta com a ex-esposa para tratar dos traumas), Bliss deve para todo mundo. Distribui seus folhetos para qualquer pessoa e gruda-os no carro alheio. Em um deles, a bela cantora de ópera Joan Spruance (Ellen Barkin, muito parecida com Cameron Diaz) depara-se com a propaganda e decide pedir ajuda. Ela teve seu apartamento revirado por ladrões e sofre ameaças por telefone. Então, vai para a casa da irmã, Andy (Beverly D’Angelo). Esta, por sua vez, está casada com milionário Redmond Layls (Harry Dean Stanton) e quer escrever o livro no qual revelará os bastidores de suas aventuras amorosas. E é aí que entra, para fechar este círculo, Bliss. Ele está incumbido de invadir a casa de Andy, aonde mora Joan, para capturar todos os manuscritos do tal livro. A gangue de Layls oferece 15 mil dólares pelo serviço. A trama se dá nestes tons. É fácil de se entender, assim como possui momentos de humor, mesclados com trechos de puro cinema policialesco e suspense chinfrim. Em resumo, quem assistir, acerta pela brilhante participação de Jack Nicholson, neste filme apenas com seu bigode, que usaria ainda em “A Promessa” (2001).
O período de 1992 a 1997, na trajetória profissional do ator ganhador de três Oscars, é frisada por fitas que, como destaquei antes, não atingiriam a nota 5 em exames de qualquer universidade de cinema. Todavia, percebe-se também que Nicholson não aceitou filmar por dinheiro. Esta safra ‘entre fases’ serviu para ele brincar de fazer cinema. Atuou desta forma em “Marte Ataca!” e “O Entardecer de uma Estrela” (os dois de 1996, este último continuação do superpremiado “Laços de Ternura”, de 1983). O falso desdém aplica-se com força em “Questão de Honra” (1992), pelo qual foi apontado na lista de atores coadjuvantes no Oscar. “Questão de Honra” não é um filme comparável a outros tantos de sua carreira. Está na camada do meio. Por isso, ressalto que era ele quem segurava o roteiro, e não o contrário. Foram oito filmes realizados em cinco anos. “Cão de Guarda” tem suas seqüências mais importantes com Nicholson em frente à câmera com sua careta e sobrancelhas levantadas. É divertido notar o figurino da época, com cores berrantes e roupas largas. O ‘happy end’ não falta, claro. Com “Melhor é Impossível” (1997), retoma a qualidade –ganharia o Oscar de melhor ator. Deste ponto em diante, somente longas de garbo. Tinha auxiliado seus amigos o quanto podia. Agora, era ponto final.