O cafetão e as prostitutas (publicado originalmente em 20/6/2007)
Caso Nelson Rodrigues estivesse vivo, tiraria sarros da composição de nossa (nossa mesmo?) seleção brasileira de futebol. Isso porque, no tempo dele, os atletas convocados para campeonatos do quilate de uma Copa do Mundo ou Copa América se disponibilizavam imediatamente ao chamado da camisa canarinho. Era época de Ademir da Guia (mais de 15 anos de Palmeiras), Tostão (jogou só no Cruzeiro e Vasco da Gama),Gilmar (dez anos de Corinthians e mais oito de Santos), sem falar no rei Pelé (18 anos de Santos), Nilton Santos (17 de Botafogo) etc. Quando o torneio começava, fosse ele qual fosse, o país parava para ver, torcer e vibrar. Mas o Anjo Pornográfico morreu há quase 27 anos. Pena que Ariano Suassuna não goste de escrever sobre o esporte mais popular do planeta. Com seu jeito brasileiríssimo de ser e se comportar, faria cascata e chistes do atual escrete verde e amarelo. Na Copa última, 2006, apenas Ricardinho (Corinthians) e Rogério Ceni e Mineiro (ambos do São Paulo) atuavam em solos brasileiros. O primeiro e o terceiro já estão na Europa. Sucumbiram às ofertas.
Em qualquer entrevista de qualquer jovem futebolista brasileiro, quando perguntado ‘qual é seu maior sonho na carreira?’, solta mais que depressa a resposta: “Quero jogar na Europa.” Robinho, o ex-craque do Santos, disse certa vez: “Quem nunca gostaria de defender o Real Madri ou Barcelona, por exemplo.” Não dá para acreditar. Dois pontos aqui: para começo de conversa, se aquela questão do ponto alto da profissão fosse feita em 1970, 1980, isso sem falar antes, em 1950, 1960, a resposta saltaria à vista: “Desejo ganhar uma Copa do Mundo pelo meu país, o Brasil”, ou “Pretendo ficar no clube por alguns anos para poder comprar uma casa para minha mãe”, para, em seguida, despejar “e jogar uma Copa pelo Brasil.” Segundo ponto: clubes das Américas Latina e Central servem de vitrine para exportação. Todos, sem exceção. Estão neste bolo Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Flamengo, Boca Júnior, River Plate, Grêmio, enfim, todos. Eles abastecem pequenos, médios e grandes clubes da Europa inteira, além de Ásia e África. O êxodo é presente. Sobram para nós somente os restos.
Em “Boleiros – Era uma Vez o Futebol” (1998), o diretor Ugo Giorgetti transferiu do gramado à telona exatamente o momento de ouro do esporte: o amadorismo. Campos de terra, jogadores fiéis aos times, dirigentes trapaceiros, mas com elegância. É o lugar-comum “tempo bom que não volta mais”. Época essa que este colunista nem sequer teve o privilégio de poder suspirar de saudade. Eu e muitos de vocês que me lêem. Ano passado, em entrevista ao programa “Ensaio”, da TV Cultura, o multi-homem Chico Anysio teceu comentários sobre as equipes que viu jogar. “Vi Canhoteiro, Vavá, Jair da Rosa Pinto...”, recordava. O gosto da inveja me corroia. A partir da Copa de 90, e em todas as seguinte, 50% ou mais das convocações para a seleção do Brasil vieram de fora. França, Itália, Japão, Espanha, Portugal, Holanda etc. Ou seja, a cada quatro anos, nossos ‘estrangeiros’ se travestem como “Ouviram do Ipiranga às margens plácidas” e disputam a Copa. Terminada a disputa, correm de volta às suas mansões. Desta forma, cada vez mais, assistir o Brasil desfilar se tornou um autêntico tédio.
Jô Soares tem razão quando faz a seguinte afirmação: “Ver o jogo da Seleção atualmente é sem graça. O torcedor não acompanha os campeonatos de fora. Não sabe se este ou aquele atleta joga bem ou não. A identidade acabou.” Adolescentes de 15, 16, 17 anos, vão de mala e cuia a Rússia, Ucrânia, China, Catar. Às vezes ficam. A maioria volta por não se adequar a outros costumes. Pobre futebol... Do planeta todo. Menos o velho continente, ‘cafetão’ da história. O Brasil real e oficial, de Machado de Assis, vale para o futebol. Prostitutas de todos os países que voltam para casa, como escrevi antes, a cada quatro anos. Inclusive as do Brasil.