Mundo à parte (publicado originalmente em 13/6/2007)
O Dia dos Namorados era, para mim, a data mais comercial do ano. Muito mais que Natal e Dia das Mães, por exemplo. Ou Dia dos Pais e Dia das Crianças. Era só raciocinar direito: casais gastam entre si, jantam foram, compram mimos um para o outro e, mesmo assim, na maioria da vezes o dinheiro sempre falta. Nestes casos, pela grande parte dos enamorados ser estudante ou estar no início da carreira profissional. Tiro desta lista os pares mais veteranos, onde ambos têm vida estável e independência firme. Agarro-me aqui aos jovenzinhos (faixa etária atenta). Se vão ao cinema e não possuem a celebrada carteirinha de meia-entrada, corre-se o risco de um ver o filme e o outro esperar comendo pipoca. Ou em alguns casos nem isso. A garotada adolescente vai ao Mc Donald’s para comprar aquele sanduíche apertado (a música ‘dois hambúrgueres, alface etc’ cabe em um mini-pãozinho) com preço largo e tendem a dividir um entre eles. Ou então a situação em que há brigas por falta de presentes. “Você não me ama mais” ou “Você se esqueceu de mim” são justificativas recorrentes neste caso. Mas o 12 de junho está longe, mas muito longe, de ser entregue a tão e simploriamente dinheiro. As notas que valem são diferentes: as notas de um mundo à parte.
Lembrem-se de que redigi ‘era, para mim, a data mais comercial do ano’. O verbo, no passado, está desta maneira propositalmente. Quando se tem certeza de que se conhece a pessoa certa (chavão válido agora) tudo cai na maior simplicidade carinhosa. Acontece isso comigo. Silvia e eu vivemos nosso namoro numa intensidade às avessas. Ontem, ficamos juntos. Não saímos, não badalamos, não festejamos. Ficamos juntos. A companhia soluciona qualquer resquício de saudade. Esse grude basta. Recordam-se das perguntas e as discussões da dupla de “Acossado” (1960), obra-prima de Jean-Luc Godard? Namoro de verdade é isso. O filme praticamente todo se passa no quarto em que Patricia se esconde junto com Michel Poiccard. Os personagens de Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo têm uma integração perfeita neste sentido. O exemplo serve para Silvia e eu. Somos, antes de tudo, parceiros, na acepção da palavra. O “objetivo comum”, como está sublinhado no dicionário Houaiss, é a meta que temos de alcançar. E atinge-se o ponto máximo no Dia dos Namorados. Pode ser o 12 de junho no Brasil (instituiu-se este dia em nosso país por anteceder Santo Antônio, padroeiro dos que querem se casar rápido – 13 de junho) ou a mais tradicional das datas: 14 de fevereiro, Dia de São Valentim.
Seria a metáfora como o poema “Ouvir Estrelas”, de Olavo Bilac: “‘Ora (direis) ouvir estrelas! /Certo perdeste o senso!’ E vos direi, no entanto /Que, para ouvi-las, muita vez desperto /E abro janelas, pálido de espanto /E conversamos toda a noite, enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto /Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto /Ainda as procuro pelo céu deserto /Direis agora: ‘Tresloucado amigo! /Que conversas com elas? Que sentido tem o que dizem, quando estão contigo?’ /E vos direi: ‘Amai para entendê-las /Pois só quem ama pode ter ouvido /Capaz de ouvir e de entender estrelas’”. Ao invés de presentes materiais, dê um sorriso e diga “eu te amo”. No lugar de um relógio novo, entregue à pessoa que você ama uma pétala de rosa. O ator, compositor, escritor e cantor Mário Lago costumava dizer: “Não há nada melhor que o sorriso da mulher amada.” E estes dentes só são mostrados com ternura e emoção. Não dê importância ao dinheiro, mas à intenção. A declaração de amor só existe quando há lisura de caráter, franqueza. Longe de mim pretender dar os conselhos de Sigmund Freud. Nem sou capaz. Mas 12 de junho está, sim, relacionado com o mundo à parte dos namorados. Silvia e eu temos o nosso. É singelo, fraterno e cúmplice. Nada mais que isso.