“Topázio” (publicado originalmente em 30/5/2007)
Assisti muitas vezes a atriz Eva Wilma explicar como se deu seu teste com o diretor e Mestre do Suspense, Alfred Hitchcock. Em várias entrevistas ou bate-papos, ela confessou como foram suas encenações para atuar em “Topázio” (1969), uma das mais fracas, ao mesmo tempo polêmicas, fitas dele. O filme é totalmente rabiscado por opiniões políticas (encravadas pelo cineasta), no ponto mais alto da Guerra Fria (1947-1989). Produzido para expor ao mundo todos os contrasensos da corrida de mísseis entre os Estados Unidos e a ex-União Soviética, o longa-metragem pinta e borda em fazer as caricaturas mais desengonçadas dos dois lados. E foi precisamente pela posição política que a obra de Hitchcock se desmilinguiu com o tempo. Sorte de Eva Wilma, que se livrou de uma boa. Ao ser preterida, deixou de fazer o papel de Juanita de Córdoba, amante de André Deveraux, agente francês que vai a Cuba combater o comunismo. Juanita foi feita por Karin Dor, atriz francesa. Ewa seguiu o seu caminho nos palcos brasileiros. Diz não ter ficado frustrada com a decisão de Hitchcock. “Ao ver o resultado, fiquei aliviada de não ter participado”, contou certa vez. Quem pesquisar a carreira dela, verá que em 1968, ano dos testes, sua trajetória profissional no Brasil ficou parada neste período.
“Topázio”, para quem está acostumado à carreira do Mestre do Suspense, passa quase nulo em meio a tantas outras películas mais admiráveis. Mas, no entanto, não pode deixar de ser citada e, aqui neste espaço, sublinhada. No livro ‘HitchcockTruffaut’, que reproduz conversas entre o diretor inglês e o cineasta francês François Truffaut, o pingue-pongue da dupla deixa bem claro algumas posições políticas de Hitchcock, como, por exemplo, seu insistente anticomunismo e sua desconfiança infantil das manobras políticas dos Estados Unidos. Estas características se refletiram na fita de 1969. Como é fácil de perceber, a estrutura do filme assenta em traições. Todos engana todos: russos e americanos e vice-versa, André engana a mulher e vice-versa, franceses enganam a nação, informando os russos e fazendo serviços para os americanos, cubanos são displicentes com o próprio regime (Fidel Castro estava há quase uma década no poder). Enfim, uma completa falta de verticalidade e honestidade. A questão é, então, quem acreditar em quem? Um dos personagens é a cópia xérox de Fidel, notem. Ao contrário de 90% do currículo hitchcockiano, “Topázio” tem suspense nulo. Ao invés disto, abrange pontos críticos que o público detestou ao ver nas telonas. Era o princípio da derrocada de sir Alfred.
Este deve ser o 12º ou 13º artigo que escrevo sobre Hitchcock. Não sei bem a conta correta. Se for o 26º, também, ninguém observará o erro. Porém, os últimos 15 anos dele foram marcados pelos iguais tropeços desta minha matemática bêbada. Meteu-se em roteiros ruins, pretensiosos e ‘ilegais’ demais. “Trama Macabra” (1976), “Frenesi” (1972), “Topázio” e “Cortina Rasgada” (1966) deram o laço mal feito na competentíssima carreira do Mestre do Suspense. “Topázio” e “Cortina Rasgada” tratam de temas politizados a esmo. As outras duas são comédias com humor negro que se arrasta ao longo dos minutos. “Marnie – Confissões de uma Ladra” (1964), “Os Pássaros” (1963) e “Psicose” (1962), para se ter uma vaga idéia, são o trio que antecedeu aquele quarteto ruim. Ele tentou, mas não conseguiu, repetir a glória de antes. Nos longas de 1972 e 1976, Hitchcock, para agravar o quadro, já estava bastante debilitado. Em 1980, quando morreu aos 81 anos, queria acabar as filmagens de “A Noite Curta”, que nem chegou à sua metade. “Topázio”, então, digamos assim, foi um escorregão. O político Alfred Hitchcock ficou bastante satisfeito com o resultado. Seus espectadores cativos, fãs, é claro que esperavam mais. Apesar disso, a obra está imortalizada nas salas de cinema do mundo todo.