Entre irmãos (publicado originalmente em 23/5/2007)

Ganhador da Palma de Ouro do Festival de Cannes, “Ventos da Liberdade” (2006) foi pouco ou quase nada aparatado no Brasil. São raras as pessoas que se interessaram por este filme, ainda em cartaz em algumas salas de cinema. Todavia, este descalabro é incauto. A fita mostra como se deu a dura e sangrenta guerra pela independência da Irlanda nos anos 1920. De um lado estavam as tantas tropas inglesas, dispostas a interromper a avaria causada pelos irlandeses. Estes queriam, claro, que o seu país de desmembrasse da terra da Rainha o mais rápido possível. O longa-metragem, dirigido por Ken Loach, inglês aristocrata, mostra precisamente o entrave envolvendo as duas partes. No canto da Irlanda estão os protagonistas: Cillian Murphy (Damien) e Padraic Delaney (Teddy). Na película, são irmãos que lutam em busca de sua identidade. Damien é um estudante de medicina pronto para ir à cidade grande lecionar e trabalhar em hospitais. Mas ao ver as agruras pelas quais são compatriotas passam, dispensa o jaleco para se engajar nas batalhas armadas, o que não condiz com seu rosto leve e corpo frágil. Já Teddy é o oposto. Irmão mais velho, está há muito vivendo na clandestinidade. Ele dá a sua vida para que seu nobre país se sobreponha ao que chamam de um ‘imperialismo britânico’.

É curioso examinar esta obra. Loach aglomerou a maioria de atores provenientes propriamente da Irlanda, como Murphy (o Espantalho de “Batman Begins”, de 2005) e Delaney. Em “Ventos da Liberdade” vemos de cadeira cativa como o movimento político IRA se formou. Ao notarem a força do grupo patriota, os ingleses decidem armar um acordo de paz. A fita reproduz este instante quando o cinema da capital Dublin exibe imagens reais do aperto de mãos. A expressão dos espectadores dá o tom da seqüência da película... À medida que são anunciados os pontos principais do documento (a Inglaterra continuaria mandando em determinados aspectos econômicos, por exemplo), os olhos dos irlandeses demonstram muitas decepções. Em reunião secreta, a equipe de rebeles se divide. Teddy, o revolucionário de outrora, agora de bandeia às hostes inimigas. Damien, não. Assim, nasceu uma rixa entre irmãos. O mais velho veste uniformes militares e acena aos ingleses. O ex-médico continua no IRA, combatendo o quanto pode... O diretor apalpou com carinho o roteiro que tinha nas mãos. De 1º de janeiro de 1801 a 6 de dezembro de 1922, a Irlanda fez parte do Reino Unido, junto com Escócia. O filme de Loach desmistificou todos caminhos percorridos pela população em busca de uma nação.

“Ventos da Liberdade” registrou flases de quase nove décadas atrás. As cenas de torturas, com sessões de arrancamentos de unhas (tanto faz dos dedos das mãos ou dos pés) ou de cortes de cabelo nada sensíveis, são corriqueiras aqui. A atriz Orla Fitzgerald, que dá vida a Sinead, encanta o público em geral. O personagem é coadjuvante, apaixonado por Damien e integrante da trupe austral do IRA, e de uma singeleza atroz. A seqüência em que soldados ingleses arrancam a tesoura os cabelos ruivos dela, entre gotas e mais gotas de sangue, é de se fazer tremer. E todo seu desenrolar também – a avó exigindo a permanência na casa integralmente incendiada, seguido pelo desespero da família inteira etc. Ademais, “Ventos de Liberdade” é só mais um dentre os longas cujo tema é a Irlanda. Quem viu “Gangues de Nova Iorque” (2002), de Martin Scorsese, com Leonardo DiCaprio, e “Os Infiltrados” (2006, ganhador de Oscars importantes, como melhor filme e diretor), ainda de M. Scorsese e com o mesmo DiCaprio, sabem do que estou falando. Estes dois filmes abordam fases distintas de terras ou descendentes irlandeses. Mas, dos três, o de K. Loach se destaca mais. É fita ‘sem responsabilidade’, sem o ingrediente que tanto atrapalha os cineastas de hoje em dia: a maldita mania de querer agradar o espectador a qualquer custo.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 16/08/2009
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