Sem sorrisos (publicado originalmente em 16/5/2007)

Buster Keaton, diziam uns e outros, se incomodava com o sucesso magistral de cada trabalho realizado por Charles Chaplin. Afirmar o contrário, de uma suposta inveja de Chaplin para com ele, é querer estragar tudo. O cômico nesta história é apenas a antipatia de Keaton para com o homem cujo apelido, Carlitos, todos nós aprendemos a admirar. Até mesmo por ser norte-americano puro e o tal outro ter nascido na Inglaterra, Keaton precisava se impor mais, até porque estava na terra do cinema. Com talento, foi em frente. Ou melhor, sua carreira vinha desde a mamadeira. Aos três anos de idade, em 1898, encarou os palcos com seus pais, com o número batizado de “Os Três Keatons”. Aos seis, convidado para fazer pequenas participações, tornou-se xodó das companhias de arte pelas quais ele perambulou. Desde este tempo, e igual em sua pré e adolescência, uma marca ficou impregnada nas suas empreitadas: o rosto gélido, cadavérico, mas com expressões firmes e seguras. E esta fuça toda mórbida servia para seu destino. Buster Keaton foi um dos melhores comediantes da sétima arte. Era de se pensar: esta cara amarrada servia para fincar a contraposição às estripulias de Charles Chaplin?

Talvez. Porém, a dupla carregava nas costas características similares. Ambos coreografavam e executavam seus quadros. Tinham elasticidade ímpar. Criavam suas histórias e cenários. Entretanto, algo faltava a Keaton, cujo nome artístico Buster foi dado pelo eterno mágico Harry Houdini quando Keaton tinha seis meses de vida (Buster, traduzido para o português, quer dizer ‘exterminador’, ou o detonador de explosivos). Faltava a grande bilheteria, com as letras maiúsculas. Em 1927, ela chegou finalmente. E, oito décadas depois, “A General” continua como a maior obra-prima. Trata da guerra da Secessão, claro, por olhos de comédia. O título se refere a uma velha locomotiva, na qual Keaton é seu veterano maquinista. Quando estoura o confronto, ele prefere ficar ao lado do veículo que cai aos pedaços a se alistar no exército, para desgosto da amada, não o trem, mas uma mulher de carne e osso. Mas ele quer participar da guerra. Interfere nela com sua amante de rodas, capturada das mãos do inimigo. O engajamento denuncia com humor o absurdo daquela luta bélica. O personagem dele enfrenta impassível (seu rosto imutável) todos os cataclismas. A trama foi inspirada em um caso real.

Pronto. A fama lhe brilhava, pois Chaplin, o rival, neste tempo não tinha fitas em cartaz. Ao se mudar para a MGM, empresa bem maior do que Keaton estava acostumado, ele perdeu o controle de suas produções. Dois casamentos mal sucedidos (um durou 11 anos e outro, três) contribuíram para a sua derrocada. Tornou-se alcoólico. Ficou pobre. Os anos 40 representaram o fim para Keaton. Sem prestar atenção, em 1952 alguém lhe estendeu a mão. Era o diretor, roteirista e escritor de “Luzes da Ribalta”. Ele próprio: Charles Chaplin. Carlitos lhe encomendou uma pequena, mas emocionante e bela participação. O ex-pequenino Buster de Houdini seria o parceiro de cena de Calvero, o palhaço interpretado por Chaplin que tinha exatamente no alcoolismo o despejo de todas as suas mágoas. Seu recado foi entendido muito bem por Keaton, que, deveras, continuava sem sorrir. Em 1962, prestes a completar 67 anos, a Academia lhe deu o Oscar pelo conjunto da obra. Quatro anos depois, morreria de câncer no pulmão, mas com a carreira encerrada dignamente. Pelas mãos de seu arquiinimigo dos tempos, Keaton se encheu de esperança novamente. Evidentemente, não deixou transparecer isto nos traços das maçãs do rosto. O carrancudo, de semblante severo – o comediante preferido de Chaplin.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 15/08/2009
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